Juliana segurava
o vestido na frente do corpo, por cima da roupa, e se observava no espelho. O
vestido, que ainda estava pendurado no cabide, era de um tom bege que combinava
perfeitamente com a pele morena escura da moça. Não era curto, pois o
comprimento ia até os joelhos, e nem era apertado; as alças, que formavam uma
regata, eram de renda leve, bem trabalhada e muito bonita. Era um vestido
simples e bonito, perfeito para um Culto da Mocidade.
Com apenas uma
mão ela pegou o cabelo encaracolado e jogou de um lado só do pescoço, virou de
lado. Ficaria muito bom se ela combinasse com a sandália que havia comprado no
Natal, mas tudo o que lhe passava pela mente era se daria para usar com o
sapato que havia ganhado mês passado, no aniversário.
“Não sei”,
pensava consigo mesma, “acho que não vai dar certo...”. Decidiu provar. Jogou o
vestido em cima da cama, abriu o guarda-roupa e se abaixou... Ela começou a
colocar tudo pra fora procurando o sapato quando o celular tocou de cima da
cômoda, do outro lado do apertado quarto.
- Ju, é a
Simone... vai ter uma super festa agora no “”, eu tô indo de carro e pensei se
você não quer vir também... Topa?
- Ai, Simone...
Tipo, tem que dar resposta agora? Não sei...
- Ah, deixa de ser
tonta, Ju, vamos!! O Théo vai tá lá, e a galera toda... Olha, tô dirigindo, vou
ter que desligar... me manda uma mensagem qualquer coisa e eu passo aí, tá?
Se despediram, e
desligaram.
Juliana
sentara-se na cama e, agora, observava o vestido que ela tinha jogado ali. “O
Théo vai estar lá”, passou pela sua cabeça, e então veio à mente o rosto do
rapaz: a barba pra fazer, o sorriso largo, o cabelo encaracolado, os olhos
castanhos semi fechados, e olhavam pra ela. Ele sorria pra ela, ao menos em sua
mente.
“Igreja... pra
quê? De novo? Eu já fui lá sábado passado?” passou pela cabeça da moça, “eles
são muito legais lá, é verdade, mas eles não sabem do Théo, não conhecem ele e
não sabem como ele é perfeito pra mim... talvez, se eles soubessem quem é o
Théo, também não fossem à Igreja, também escolheriam a balada. Tenho certeza”,
falava a voz dentro dela.
“A Simone é uma
amiga tão legal, jamais me levaria pra uma festa que não fosse boa...” ela
continuava. “Nossa! Onde encontraria uma amiga tão especial assim? Em que outro
emprego? Em que outro lugar? Tenho muita sorte mesmo!”
Juliana voltou
em si, e observou o vestido ao seu lado. “É um amarelo desbotado... feio...
como pensei em usar uma roupa assim? E nem é justo, não valoriza meu corpo...
olha essa renda pobre...não combina com o sapato novo que ganhei mês
passado...mas a mini saia combina! Claro! Como não pensei nisso antes?!”
Ela abriu a
última gaveta da cômoda e, embaixo de diversas outras peças de roupa, tirou a
saia preta, justa e curta. Ela já deveria ter se desfeito da peça, mas
mantivera ela ali para situações inesperadas, como essa, por exemplo.
“Combinaria perfeitamente com a regata branca
de setin...”. Ela correu até o guarda-roupa e achou a regata. Tirou o vestido
amarelo que ganhara de sua mãe no aniversário, jogou num canto e combinou a
saia com a regata em cima da cama. O sapato novo estava por perto, vermelho
como uma maça saborosa!
- Nossa Ju, você
se superou... dá certinho! - dizia pra si mesma, eufórica.
Rapidamente ela
se trocou, e se observava no espelho. “Realmente, estou muito atraente! Aposto
que muitas meninas gostaria de estar como estou! Esse ‘look’ valoriza meu corpo!
Por que não uso ele mais vezes? Também, pra ir pra onde? Pra Igreja? Não dá...
Eles são muito estranhos lá, afinal, que mal há em faltar de um ou outro culto
pra ir numa festa como essa? Que mal há em usar saia curta e deixar os outros
verem aquilo que Deus mesmo nos deu? Eu não entendo eles, definitivamente”
Juliana pensava.
Enquanto pensava
tudo isso, com o rosto perto do espelho, ela via se precisava retocar a
maquiagem, quando o celular tocou novamente. “Nossa! Preciso ir!!” Juliana
deixou tudo em seu quarto pra arrumar depois, tomou o celular, a pequena bolsa
que tinha algumas coisas necessárias (batom, perfume e coisas do tipo) e, sem
olhar pra trás, encostou a porta vagarosamente, atravessou o apartamento em
silêncio e saiu. No corredor, ela atendia o celular e pedia para a amiga
espera-la... ela já estava descendo.
“O Théo vai
estar lá... Ai, essa noite promete.”
...
Não. Não culpe
Juliana. Não a julgue pelo fato dela ter cedido à tentação, ter deixado o culto
pela festa. Em momento algum passou pela cabeça dela o que realmente estava
acontecendo, nem por um instante, nenhum segundo sequer.
Lembre-se que,
enquanto estava no quarto, Juliana não vira o imenso morcego contorcido que
estava ao seu lado. Os pés, que era como os de um abutre, sustentavam duas
pernas tortas que subiam por um tronco assimétrico, retorcido; ao centro do
torso, duas mãos mirradas surgiam e, atrás, duas imensas asas defeituosas que
permaneceram repousadas todo o tempo.
O rosto
diabólico era uma mistura de bode com humano, uma figura assustadora. Os olhos
fundos, vermelhos como o inferno, e a boca larga, bem larga, sustentando o
sorriso de malícia e expondo os afiados dentes. Ele não era escuro, ele era a
escuridão, e estivera o tempo sussurrando em seus ouvidos frases, como: “o Théo
vai estar lá”, “Igreja... pra quê? De novo? Eu já fui sábado lá passado?” e
“combinaria perfeitamente com a regata branca de setin...”.
Mas Juliana
nunca soubera disso, nem imaginaria. Agora mesmo, enquanto o elevador descia,
ela tirava fotos de si mesma com a câmera do celular. Ela jamais imaginaria o
que a lente da câmera não mostrava e o que seus olhos não viam; o enorme
gárgula que, agora, estava montado em seus ombros.
Deus abençoe!!
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