A entrevista de Anna


- Qual o seu objetivo na vida? - Anna Flávia fitava o seu “convidado” com o olhar bem atento enquanto ele observava o horizonte em busca de resposta. O recebia ali por pura exigência da produção. Não se conformava de ser uma apresentadora de tamanho renome e ter que entrevistar um pastor, ainda mais um tão jovem.
Pastor Bento tinha apenas 27 anos e se destacara na mídia por atuar com os jovens da sua comunidade em obras sociais. Logo depois de ser feita uma reportagem numa TV local sobre o trabalho voluntário daqueles jovens liderados por Bento, o renome do jovem pastor e da Igreja cresceram na região de maneira espantosa, e as reuniões da mocidade passaram a ter centenas de jovens visitantes, muitos que estavam mudando de vida ao frequentarem as reuniões.
Mas tudo isso era complicado demais para que Anna pudesse entender. Ela que sempre se dissera uma mulher livre, que quando jovem quebrou tabus ao sair do interior para trabalhar na cidade grande, que enfrentou o preconceito de ser mulher solteira, de ser uma mulher  e negra apresentadora de TV.
Anna sempre fora ousada e destemida, livre dos rótulos e da opinião da sociedade (embora sempre presa ao que os jornais e tabloides diziam de si). Para ela era difícil entender jovens ligados à uma instituição tão primitiva quanto à Igreja. E ali, sentada frente à frente com Bento, ou melhor, Pastor Bento, ela, de alguma maneira, sentia-se incomodada com aquilo tudo. Com todo aquele sentimento e jovens dizendo serem livres, mas seguindo uma religião. De uma maneira estranha, ela sentia-se incomodada e convidada àquilo também. Era algo que a repugnava e, nalguma parte dentro de si, também a seduzia. Talvez fora uma das únicas vezes que Anna Flávia de Pádua, a ilustre apresentadora, estivesse balançada por algo que de fato não pudesse compreender.
- Eu acredito dentro de mim... de alguma maneira, não sei... acredito que sou capaz de mudar o mundo.
Mudar o mundo?! Anna sentiu-se indignada. Muita arrogância para um rapaz de vinte e poucos anos que nada mais tem feito do que seguir as regras ditadas de um livro antigo. Mas descrição sempre fora ponto forte de Anna. Ela sorriu, e delicadamente, devolveu.
- Mudar o mundo como seu Mestre, Jesus? Você acha que o que você fizer pode ser tão forte quanto a figura de Jesus Cristo?
- Oh, não... jamais! – Bento sorriu – Sabe, Anna, para nós cristãos existe o conceito de santificação, que significa que nós devemos buscar todos os dias a perfeição, mesmo sabendo que a gente nunca vai alcançar; a gente vai passar a vida toda buscando isso e nunca vai alcançar. Acho que mudar o mundo é nesse sentido, sabe? Do tipo de saber que a gente jamais vai deixar o mundo como ele deve ser, mas a gente vai olhar pra trás e vai ver que ele vai estar melhor do que já esteve um dia.
Anna Flávia sorriu.
- Você ainda é bem jovem, e você disse que nasceu dentro de um lar evangélico, o que me faz questionar se você conhece o mundo suficiente pra poder dizer aos jovens que seguem você que o caminho que você vive é o melhor. Bom, como você vai saber que o melhor é o que está dentro da sua igreja se você nunca saiu dela pra conhecer o que o mundo oferece? Como você se sente com relação a isso?
- Eu me sinto em paz, Anna, completamente. Se engana quem pensa que, por alguém estar dentro da Igreja, essa pessoa nunca saiu dali. Não é o corpo presente que faz de nós estarmos na Igreja, mas o quanto estamos realmente envolvidos ali. O quanto a nossa mente está ali, o nosso coração está ali. Eu posso dizer nunca me desviei, nunca deixei de ir na Igreja, mas mesmo assim, em determinado momento da minha vida eu olhei pra fora e disse:  olha, eu quero o que tem lá.
- E isso não prova pra você que, talvez, a igreja não seja o melhor caminho pro jovem, pastor?
- Absolutamente não, exatamente pelo fato de eu nunca ter saído. Sim, confesso que já pensei em dar uma passeada pelo mundo – nessa hora, Bento riu, e continuou – mas então, ao olhar novamente pra dentro da Igreja eu entendi que o mundo eu posso deixar pra trás pra ter o que encontro ali.
- E o que o senhor encontra ali?
- Sentido, Anna. O mundo não faz sentido. E... por isso que acho sim que a Igreja é pro jovem, porque o jovem procura hoje entender as coisas, e não entende, porque não dá pra gente entender o mundo. Mas o Evangelho ilumina a nossa mente, e então entendemos e sentimos o amor de Deus por nós, através de Jesus, e podemos sentir o Espírito d’Ele em nós, e é como se uma capa fosse arrancada de nossos olhos e temos uma visão ampla de tudo. Nessa hora a nossa ficha cai, e tudo passa a ter sentido.
- Bom, eu não vejo sentido em privar a juventude de ter experiências sexuais, ou poder frequentar festas, por exemplo.
- Anna, a felicidade é muito mais do que isso.
- Ela é o que então?!
- Felicidade é viver por uma causa maior, menos egoísta e de prazer próprio. E nenhuma causa é tão grande suficiente pra encher nosso interior do que o amor que Deus tem por nós. Só o amor de Deus nos deixa feliz.
Aquelas palavras estranhamente interessantes pareciam borbulhar dentro do peito de Anna. Talvez Bento, o pastor, não fosse tão arrogante assim; parecia fazer sentido o que ele falava, mesmo ela achando a igreja uma instituição retrógrada. De alguma maneira, Anna não ficou em paz com aquilo tudo, era como se ela quisesse entender mais e, ao mesmo tempo, não pudesse por alguma razão ordinária. Era algo bom, mas intimidador. Que a seduzia de uma maneira temerosa.
Era preciso coragem e Anna estava cansada, talvez, se ela deixasse pra lá, as coisas poderiam voltar ao normal, e Anna Flávia poderia voltar a ilusão de ser uma mulher livre e autentica só porque apresentava um programa de TV. Foi o que ela fez. Juntou os papeis de sobre a mesa e anunciou.
- Bom pessoal, hoje conversamos o Pastor Bento!
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“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” Mateus 5:16
Abraço, Deus abençoe você!

Denian Martins

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