Cruz



Minhas roupas estavam sujas e, sim, eu sabia o motivo. Quando a gente está diante um Deus de extrema santidade e justiça, não existe nenhuma maneira de mentirmos, de inventarmos desculpas e motivos que justificarmos nossa situação deplorável; até mesmo porque Ele já sabe de tudo. De uma maneira espantosa, quando Ele olhava pra mim era como se Ele me enxergasse por dentro, como eu sou; eu estava totalmente revelado, descoberto, Ele via tudo... Era uma sensação tão estranha, difícil explicar.

Ao seu redor, servos celestiais pairavam de um lado ao outro, batendo as asas e exclamando com veracidade e certeza: Santo, Santo, Santo.... Como aquelas palavras ficaram gravadas dentro de mim! Eu ali, totalmente descoberto e sujo, tudo o que eu fiz de errado, todo meu egoísmo, avareza, as minhas mentiras e a inveja que ainda tinham espaço dentro de mim... tudo exposto ridiculamente diante de um Deus Santo, perfeito!

Eu não sabia o que fazer, mas sabia que eu não podia erguer o rosto de encara-Lo; eu só podia admitir: minha situação era detestável. O pior de tudo nunca foi constatar que eu era errado, cheio de culpas nas costas, e que toda a sujeira da minha roupa sempre por minha causa; o pior de tudo era entender que toda aquela maldade, aquela ruindade, de uma forma ou de outra, fazia parte de mim, eu me identificava com aquilo tudo, aquela imundícia me saciava e me deixava como eu estava: destruído.

Oh, não! Não mesmo! Eu não podia olhar para Ele, de jeito algum! Ele enxergava meu coração e via que eu era digno de pena e de punição. Eu não tinha maldade, eu era a maldade; e, diante da santidade de Deus, foi como se escamas caíssem de meus olhos e eu enxergasse minha situação detestável. Sabe quando estamos num lugar e algo ali não cheira bem? Ficamos incomodados e, enquanto não tiramos pra fora o motivo do fedor, não aquietamos. Assim era eu: um cheiro detestável diante da pureza do Senhor criador; e, assim como fazemos a sujeira de nossas casas, assim eu pensei que Ele fosse fazer: pensei que Ele me chutaria pra fora, me jogasse às trevas onde eu merecia estar, mas Ele agiu diferente.

Então, de repente, foi como se todo aquele ambiente fosse se desfazendo de minha frente, como uma fumaça, e algo novo fosse aparecendo diante dos meus olhos. É difícil de explicar, mas, de repente, eu estava num jardim, bosque, ou algo do tipo, eu não sei. Devia ser tarde da noite já, porque eu podia sentir o orvalho descendo, e o céu estava muito escuro, bem pontilhado de estrelas. Eu estava descalço e podia sentir a relva debaixo dos meus pés.

Eu estava contemplando o ambiente ainda, tentando entender o que se passava quando ouvi um som, um gemido. Logo a minha frente, estava um Homem que, ajoelhado, orava e chorava. Vai ser difícil explicar isto também, mas eu não O enxergava normalmente, como nos enxergamos as pessoas; eu O via de uma maneira anormal, eu via se Ele era puro ou sujo, como eu, e aquele Homem, diferente de mim, não tinha nenhuma sujeira em Sua roupa, tudo n’Ele brilhava a pureza e santidade, semelhante ao Deus Altíssimo, diante do Qual eu estava segundos antes.

Ele chorava, e chorava muito. Ao Seu lado, seres celestiais tentavam consola-Lo, mas tudo parecia sem em vão, Sua tristeza era muito grande, tão grande que seu suor transformou-se em sangue. Aquela visão era maravilhosa demais para mim, eu sabia que ninguém conseguiria me ver, mas eu estava ali, de uma forma ou de outra.

Foi quando eu senti Alguém me tocar, e olhei pra trás para ver Quem era. Era um Espírito tão lindo e resplandecente; sua pureza era semelhante a do Homem que chorava e a do Senhor Todo-Poderoso. Ele era mais, bem mais, que apenas uma força envolvente, ou um anjo; Ele era lindo e, de maneira graciosa, convidou-me, conduzindo-me ao Homem que chorava:

- Abrace-O.

Aquelas palavras me encheram de vigor, e eu O abracei, abracei intensamente. Quando O soltei, fios de sangue haviam escorrido pelas minhas roupas, fios do sangue Daquele que chorava no jardim; por onde o sangue passava, minha sujeira era substituída pelo sangue, e traços escarlate puderam ser vistos em minha roupa toda enlameada e que ainda fedia. Eu fiquei maravilhado com aquilo, mas ainda não tinha ideia do que me aguardava pela frente.

O Espírito tomou a minha mão e guiou-me novamente.

Depois disto, seguiram-se horas de novos acontecimentos, mas que resumirei para não cansar a narrativa, e para focar no principal. O certo é que, por algum motivo, que eu sinceramente desconheço, prenderam Aquele homem e O levaram perante juízes. Foi uma cena assustadora, tão aterrorizante que os próprios companheiros do Prisioneiro fugiram de medo. Eu mesmo, para minha vergonha, amedrontei-me e quis fugir, mas o Espírito manteve-me ali; e nós acompanhamos o Homem do jardim.

Bem, peço desculpas, mas eu não pude entender o julgamento. Não compreendia a língua daquele povo, o que posso dizer é que estavam muito ferozes, e que o Homem do jardim nada dizia, mas permanecia calado. Também posso dizer que todos, sem exceção, tinham as vestes tão sujas quanto eu, menos o Homem do jardim, ele ainda era puro. De fato, todos mereciam o julgamento, menos Ele, eu não sei por que O estavam julgando. Mas, enfim, prometi-lhes resumir a narrativa.

Levaram-No de um lado ao outro, a mais e mais superiores, até que um deles decidiu que a população decidira sobre a vida do Homem do jardim, mas, antes de tudo, conduziram-No para ser castigado, por um motivo que nunca existiu. O pátio era rude, e grande, para que o povo assistisse ao flagelo. Prenderam suas mãos à uma coluna, para que Ele fosse castigado; a esse ponto, o Homem do jardim já estava despido.

Foi então que o Espírito posicionou-me estrategicamente no pátio. Eu estava na frente de todos, e o Homem do jardim de costas pra mim; ninguém podia me ver, mas eu tinha impressão que aquele Homem sabia da minha presença ali, desde meu abraço no jardim. Eu ainda não estava entendendo muito bem o que ocorreria, quando dois carrascos, de alturas diferentes, se colocaram ao meu lado. Um arrepio passou pelo meu corpo quando vi, em suas mãos, tiras de couro, com pedaços de ossos e chumbo nas pontas.

Foi dada a ordem.

Na primeira chibata, a pele daquele Homem rompeu, abriu-se, expondo totalmente sua carne vermelha, e muito sangue espirrou em minha direção. Eu tentei me proteger, colocando a mão na frente do rosto, foi quando compreendi. O sangue quente que tocou a minha mão e escorreu pelo braço; entendi que era necessário a punição do Homem do jardim para que eu pudesse ser santo também, como Ele, o Espírito e o Senhor Todo-Poderoso são. Desde aquele momento, não protegi-me mais do sangue que jorrou.

Foi um momento precioso para mim e horripilante para Ele. Perdi a conta das chibatadas, algumas delas grudavam na carne do Homem (que a esse ponto era Homem de dores) e era preciso esforço para desgrudar de seu corpo. A cada novo golpe, Ele dava um sobressalto, e suas forças eram menores a cada segundo. Gritos de horror e extrema dor saíam de sua garganta. Quando o flagelo terminou, Ele estava totalmente desfigurado, não parecia ser o mesmo. Todo o sangue que espirrara d’Ele respingava em mim, e agora eu estava encharcado de sangue, mas sendo purificado.

Conduziram-No a presença do povo novamente, foi quando foi dado o decreto de morte. Arrastaram-Lhe, então, para frente da corte, a fim de zombarem d’Ele. Colocaram-Lhe uma capa, teceram uma coroa de longos espinhos e a cravaram na cabeça. Como sangrou! Como doeu! Como fui purificado! Depois de terminada a zombaria, colocaram-Lhe a cruz no ombro, e O conduziram para o lugar final da morte.

Eu chorava numa mistura de alegria, ao ver-me purificado, e tristeza, ao ver quanto sofrimento o Justo estava passando. Com tanta dificuldade ele suportou a cruz, até que um homem foi constrangido a carrega-la em Seu auxílio. Jogaram a cruz no chão, e prenderam-Lhe nela. Enormes martelados em Suas mãos e Seus pés, e mais gritos de dor insuportável. O sangue que pingo de Suas mãos e pés alcançaram-me também, mas, às vezes, sou acordado a noite lembrando dos gritos de dor que Ele deu ao ser crucificado.

Então ergueram a cruz.

Eu estava aos pés da cruz, posicionado pelo Espírito, esperando as últimas gotas do sangue do Justo, e, foi ali, aos pés da cruz, que eu compreendi: TUDO ELE FAZIA POR MIM. Uma onda de emoção chocou-se contra mim e eu caí de joelhos, em pranto. Se matassem um homem impuro como eu em meu lugar, de nada valeria; para me purificar seria preciso o sangue de um justo, do único Justo que passou pela Terra.

Eu chorava muito, não conseguia me controlar. Me vinha na memória a cena de seu choro, os gritos após cada chibatada, todo o sangue jorrado por minha causa, por mim, aquela sujeira fedida aos pés de Deus; por mim o Justo sofria, por mim Ele morria! Eu só conseguia chorar. Pensei comigo: alguém O avise que eu não mereço! Falem pra Ele que eu não sou digno disso, que sou a escória e o lixo! Avisem-No!

Então, Ele olhou pra baixo e, tenho certeza, Ele me viu. Meu Deus, Ele sorriu ao me ver, mesmo em meio a toda a dor, como conseguiu sorrir? Ele disse algumas palavras e expirou. As palavras que Ele disse, desta vez eu compreendi, e foram: está consumado! Alguns soldados vieram e feriram-Lhe o lado, transpassando-O, foi quando saíram as últimas gotas de sangue, e, junto, água. Eu estava encharcado de sangue aos pés da cruz quando a água lavou-me, e agora minhas roupas eram resplandecentes; a sujeira foi-se com o sangue e eu era justo também.

Mas eu não podia deixar de olhar para a cruz, e ver nela o Justo. Horas eu passei ali, aos pés da cruz, apenas O contemplando, até que o removeram, envolveram-No em panos e O levaram. Eu levantei-me. Quando o Espírito aproximou-se de mim, compreendi novamente. Deus Todo-Poderoso, o Justo e o Espírito eram tão semelhantes, não apenas em santidade, em aparência, então percebi que eram o mesmo, Um só!

Ainda estava atônito quando tudo se desfez como fumaça novamente e, agora, com vestes resplandecentes, eu estava na Presença de Deus. Agora eu podia olhá-Lo de cabeça erguida, não era mais aquela coisa repugnante, eu havia recebido uma nova vida graças ao sacrifício do Justo, mas Ele havia morrido. Ele havia morrido? Sim, mas ELE VENCEU A MORTE!! Ao lado de Deus Todo-Poderoso Ele estava assentado, com poder e grande glória. Resplandecente e maravilhoso!

Ajoelhei-me novamente para chorar e adorar: a Deus, ao Justo e ao Espírito. Eu estava ali, e agora eu era justo, eu podia adorá-Los, render-Lhes gratos louvores pela obra d’Eles em minha vida. Então, juntos com os anjos, eu cantava: Santo! Santo! Santo! Eu era pecador, mas havia sido tocado pelo Senhor e sido feito justo. Agora sou justo, não mais a escória, mas filho do Deus Altíssimo, tudo porque Ele, simplesmente, me amou.


Até hoje me pergunto: o que será que Ele viu em mim?


Deus abençoe!! 

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