O novo e o velho


Sentados frente a frente, pai e filho se enfrentavam. Olhares cerrados, um pro outro, mas sem trocarem uma palavra. Apenas se olhavam, se estranhavam e pensavam, cada um do outro.  Até que o mais novo cedeu. Baixou o olhar, como que decepcionado. Talvez com o pai, talvez consigo mesmo.

O ambiente era uma biblioteca velha, toda empoeirada, e as poltronas onde os dois se encontravam não melhorava a vista: velhas, com alguns rasgos nos cantos e mórbidas. Combinavam com todo aquele ambiente amarronzado e envelhecido. As paredes seguiam ao alto, cinco ou seis metros de altas estantes e muitos livros, não havia um só espaço vazio.

Havia apenas uma janela, redonda e enorme, na parede de onde o pai dava de costas. A luz que vinha dos vidros amarelos pouco iluminavam, e apenas ressaltavam toda a tristeza do ambiente. Era um lugar triste, onde duas almas tristes se encontravam, se encaravam. Um ambiente propício.

- Se não crermos n’Ele, creremos em quem?

O filho o encarou, e encostou-se largado.

- Não entendo.

- Fé não é entender.

- Então devo aceitar. Simplesmente aceitar todas as coisas. Pai...

E o silêncio pesou novamente sobre os dois ombros. O pai conhecia muito bem o filho, e sabia que ele não falava por mal, sempre tivera um coração bom e disposto a servir a Deus. A decepção tende a mudar as pessoas.

- Você diz como se não a amava, aceita tudo como se tudo estivesse bem.

- Oh querido, eu convivi com esta mulher 47 anos de minha vida. Vivi mais com ela do que sem, isso realmente é amor. Agora, se pararmos pra pensar... hm, no fundo, tudo está bem.

- Está? Pois eu direi o que não está bem: um filho que clama incessante por sua mãe ser curada do câncer ter de enterra-la tão jovem... isso não está bem.

O mais novo levantou-se e deu de ombros para o velho ainda sentado, que o viu enxugar uma lágrima que cirandou por seu rosto de barba a fazer.

- Olhe para mim, querido – o filho encarou-o novamente, apoiando seu corpo no encosto da poltrona – enxerga ao seu redor?

O homem deu uma breve olhada em seu ambiente, e chegou a pensar em como tudo parecia empoeirado.

- Vejo apenas livros e mais livros.

- Sim, e nossas vidas são como eles. Às vezes o capítulo que lemos é tão excitante, como gostaríamos de lê-lo novamente! Outras vezes, são páginas e páginas detestáveis, mas o que o faz valer a pena é se tudo, no final, fizer sentido. Não queira reler o passado, nem se desespere pelo mal que você possa estar lendo atualmente, só vamos entender mesmo as coisas no último verso.

- Mas e até lá?

- Até lá nós, simplesmente, cremos que o Autor de nossas vidas, Aquele pra quem nós entregamos as páginas ainda brancas, escreva novas frases maravilhosas. A fé, meu querido, é deixar a caneta nas mãos de Deus.

O filho voltou a sentar-se largado.

- Você sabe como dói quando nós mesmos queremos escrever nosso próprio romance.

- Eu gostaria que fosse mais fácil.

- Eu também.

O filho levantou-se, e o pai também. No meio de tanta poeira, os dois abraçaram-se.

- Minhas orações serão para que Ele te console com tem me consolado. O Deus que entregou o próprio Filho por nos amar não vai deixar que nossa fé sucumba.

Ainda abraçados, os dois olharam-se. E uma leve silhueta de sorriso viu-se no rosto do homem.

- Eu creio.

“E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Romanos 8:28


Deus abençoe!!

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