Queda


Era mais uma cálida tarde onde ela estava repousada sobre uma tenra relva de onde podia observar ao longe a paisagem: alguns faisões que corriam sem propósito debaixo da sombra de uma nuvem que se projetava a perder de vista no horizonte, enquanto uma quantidade incontável de pássaros de todas as espécies e cores desenhavam uma aquarela inconstante no ar.
Há algum tempo suas tardes tinham tomado esta forma: ela se sentava para observar a paisagem e desfrutar do simples prazer de existir, enquanto ele saía para cavalgar sobre alguns cavalos até cair no chão e rir pela fala de habilidade para tanto. Ela o observava de longe e muitas vezes ria também, acrescentando alguns comentários quando achava necessário. E, quando já exausto de tanto cavalgar, cair e rir, ele tornava a subir o morro para os braços dela, onde eles aguardavam pela virada do dia.
Uma figura, porém, estava em falta aquela tarde. Um ser que se tornara, eventualmente, parte do que seria, um dia, a memória daqueles dias tão perfeitos na lembrança daquela mulher. De repente, ela pôde ouvir atrás de si alguns passos; sua companhia estava se aproximando.
- Que demora esta tarde! Esteve passeando por entre as folhagens? Perdeste algumas das quedas mais hilárias e nada posso fazer com relação a isto.
As patas sutis com seus dedos finos e suas unhas afiadas pousaram sobre o ombro da mulher, que permanecia focada na paisagem.
- Perdoe-me a demora, mas estava desfrutando dos sabores exóticos das frutas deste precioso lugar. Aqueles pequenos pomos dos arbustos do lado leste são tão minúsculos e negros, cheios de gomos, mas são tão saborosos que comer apenas um é impossível. Sinto tanto que não possais usufruir de paladar tão agradável!
- Do que estás a falar? – a mulher perguntou, tirando o olhar um instante da paisagem para focar no pequeno sujeito sobre seus ombros.
- Não foi esta a ordem dada a vocês?!
- Acho que os sabores exóticos te deixaram um pouco confuso – a mulher disse, rindo levemente – não sei do que estás dizendo.
- Não é assim que Deus disse: “não comereis de toda árvore do jardim”?! – a serpente perguntou, saltando dos ombros da mulher e se posicionado à sua frente, com o olhar fixo no rosto da mulher, a ponto de ver um sorriso formar-se novamente em seus lábios.
- Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: “Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais” – e a mulher tornou o olhar para a paisagem. A sombra da grande nuvem, agora, se aproximava dela.
- Oh não! – a serpente lançou lhe um olhar de pesar – certamente não morrereis. Deus bem sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal. Agora, se podeis comer dos outros frutos, acompanhe-me que quero levar-te até o saboroso gomo do qual lhe falei.
A serpente contornou a mulher e foi em sua direção oposta. Eva levantou-se rapidamente e, deixando o belo jardim para trás de si, acompanhou o animal que parecia apreçado em lhe deixar desfrutar do sabor daquela fruta.
A serpente era veloz e, por vezes, Eva a perdia de vista por entre as sombras das árvores, tonando a vê-la novamente mais à frente, a dois ou três passos de vantagem.
- Espere-me! – a mulher gritou – quase não estou te vendo – mas a serpente pareceu não ouvir e, como um raio negro, seguia à sua frente.
Ela passou a correr, mas de repente sentiu-se perdida por entre as árvores, sem serpente para lhe guiar até os arbustos do lado leste. Confusa, ela passou a chamar pela serpente. Sem resultados, ela passou a gritar pelo marido, até se lembrar que já tinha se perdido assim certa vez.
- Sempre que se perder por aqui, lembre-se de encontrar a árvore proibida – lhe advertiu Adão, na época – ela está no meio do jardim e, de lá, você encontrará seu caminho novamente.
Foi o que ela decidiu fazer. Procurou entre as árvores e arbustos até encontrar, ao longe, a árvore proibida e, lentamente, caminhava até ela, lembrando-se das palavras que ouvira do amigo. E se talvez, ao provar do fruto, eles não morressem? E se eles pudessem saber qual era o sabor daquele fruto?
Enquanto mais pensava, mais se aproximava da grande árvore, até ficar frente a frente com ela. Eva estendeu a mão e tomou um dos frutos. Foi então que ela percebeu o quão bonita era aquela fruta, além de parecer saborosa, e que lhe daria aquilo que a serpente havia lhe falado: ser igual ao Criador.
Ela aproximou a fruta de si, e tornou afasta-la. Seu cheiro era agradável, mas ela ainda estava insegura. Aproximou a fruta novamente da boca, até ouvir passos atrás de si.
- O que estás a fazer, Eva?! – Adão se aproximou – não sabes que somos proibidos de comer de tal fruto?!
- Mas e se provarmos apenas um pouco? Observe como é bonita está fruta, parece ser saborosa também. A serpente falou-me que, se comermos, seremos como Deus e não morreremos.
Adão aproximou-se e segurou do fruto juntamente com sua esposa. Eva aproximou o fruto de si e mordeu. Deu ao seu marido, que comeu também. O sabor, que era doce na boca, desceu quente como veneno pela garganta e lhes acometeu o estômago. Um mau súbito acometeu os dois que, de fortes dores, desmaiaram ali, aos pés da grande árvore, sob a supervisão de dois olhos que, maliciosamente, observava a tudo.
***
“Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”. 1 João 2:16-17
Um forte abraço!
Que Deus te abençoe!

Denian Martini

Comentários