Meu amigo João foi para o médico, mas voltou indignado de lá. Lembro-me como se fosse ontem do João balançando as mãos desengonçadas no ar, com o grande envelope branco entre os dedos.
- Esse cara tá de brincadeira com a minha cara, só pode! - ele dizia afoitamente – A gente paga um absurdo nesses planos e olha o que leva em troca.
Ele sentou-se na poltrona à minha frente e estendeu o envelope para que eu retirasse os exames de lá de dentro.
- Ele tá louco, não é possível. Como uma pessoa tem coragem de falar um trem desses olhando nos olhos da outra pessoa? Rum! Câncer! Câncer é a mãe dele!
Levantou-se de novo e passou a andar de um lado para o outro, batendo bem forte os pés no chão e com as mãos no bolso.
- E o pior! Depois, ele virou e ainda me disse: mas não se preocupe, você trata com quimioterapia e vai ficar bem. Ah… se eu pudesse!
João fingiu apertar o pescoço do médico imaginário à sua frente, enquanto eu analisava em vão o resultado do exame.
- Você ficou irritado com o médico porque ele te disse que você está com câncer e que precisa tratar com quimio?
- É claro!
- Mas é o seu diagnóstico, e a quimio é o melhor tratamento pra…
- Você já viu o que a quimio faz com as pessoas? Ela deixa a pessoa fraca, tira a alegria, o prazer…
- Mas, João, é o tratamento pra sua doença. Você prefere o que? Negar a doença e morrer ou tratar ela?
- Qual é a sua? Até parece que tá do lado do médico e contra mim? Sabe o que eu acho, esse mundo anda muito negativo, repressivo. Você vai num médico e escuta que está doente, onde já se viu?
Depois disso, não disse mais nada. Passei a mão nas minhas coisas e fui embora. Fiquei por dias e dias pensando em João, e cheguei a conclusão de que ele se negava a entender a sua realidade: um câncer que poderia ceifar sua vida.
Acho que não é fácil receber uma notícia dessas, e talvez eu tenha agido mal como amigo. Se eu tivesse ficado ao seu lado para demonstrar apoio, talvez ele aceitasse com mais facilidade aquilo tudo.
Decidi me reaproximar e convidei João para ir na Igreja comigo. Fiquei surpreso com a rapidez com que ele não apenas esquecera da nossa última conversa como também agira de forma tão natural, aceitando ao convite. “Acho que depois desses dias processando a informação, ele finalmente aceitou a sua condição”, pensei comigo.
Mas no caminho de volta o culto para casa, João batia com o dedo no painel do carro.
- Um absurdo. Onde já se viu? A gente vai na Igreja e ouve que tem pecado e que precisa mudar, senão a gente não vai pro céu?! Onde já se viu isso? E ainda pior, que a mudança exige deixar um monte de coisa pra trás. Ah não! Eu te disse, esse mundo anda muito negativo, muito repressivo.
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