Dias de Retiro - Capítulo IV: Portas Abertas


            O portão rangeu. Do lado de fora, a maioria dos jovens já tinham chegado, todos com malas, mochilas, colchões e caras de assustados/curiosos, além dos organizadores (Maikão, Rick, Lorena) e dona Ivete, responsável pela limpeza da Igreja.
            O local era uma escola, um portão verde e enferrujado que, logo de cara, dava numa escada com uma porção de degraus. Lá em cima estava, paralelo a escada, o grande barracão: um corredor cumprido, cheio de salas; uma delas era a secretaria, que permaneceria fechada. Do lado de lá do barracão ficava o pátio; era bem aberto, cheio de bancos e com uma árvore no meio, mas o acesso pro pátio era por uma enorme porta na ponta do corredor das salas.
Pra direita do pátio, um pequeno barracão coberto, onde ficavam os banheiros e a cozinha. Mais pra esquerda tinha uma quadra coberta, onde os cultos, estudos e tudo mais seriam realizados. Antes que você pense, essa NÃO era a escola que Rick pedira Lorena em casamento, anos antes.
            Maikão virou-se, abriu os braços e deu a largada:
- Vamo, povo!
Foi um movimento em massa. Se pudesse ser visto de cima, seria engraçado ver aquele monte de jovem entrando no meu compasso na escola, subindo os degraus sem fim, liderado pelo mais despojado deles: tênis largo, calças rasgadas e regata laranja. Maikão ia na frente porque estava com as chaves, abrindo as portas e definindo quais seriam as salas pra quartos dos garotos e das garotas.
Porém, no meio de toda a agitação e ânimo, brincadeiras e risadas, dois dos jovens estavam distantes e sérios, não se falavam e procuravam se evitar: Rick e Lorena. Desde aquela briga, não haviam se falado mais. Lorena ainda estava brava e Rick ainda queria a resposta da pergunta que ele havia feito. Uma situação complicada!
Enquanto Lorena ajudava as mulheres da cozinha levarem utensílios pra cozinha da escola, Rick ia ajeitando o quarto dos garotos.
- Man, man – se aproximou Pedro – se tu ou Maikão precisar de algo, conte comigo.
- Meu, não vamos precisar de nada, fica tranquilo.
Rick nem tinha terminado de falar, Maikão chegou.
- Aí, vamos lá pro pátio, que preciso falar com toda a galera.
- Precisa de ajuda pra falar em público? – Rick zombou
- Mano, aqui é a garotada. Fico de boas pra falar com eles.
***
Com todos reunidos no pátio, Maikão foi à frente.
- É o seguinte: eu deixei um cronograma em cada sala, com as horas dos cultos, de almoço, janta e de banho. A gente tem um banheiro só pros homens e um só pras meninas, então não vão perder hora, hein?! Ah, e outra: nada de namoradinhos grudados, aqui é retiro pra buscar Deus e não colônia de férias; casais, nada de ficarem juntos.
Nessa hora, Lorena olhou pra Rick, todo concentrado ouvindo o líder falar. Não seria uma dificuldade ficar longe dele aqueles dias, dificuldade seria ficar tão perto. Era uma situação difícil, ela não sabia porque. Queria resolver, mas não sabia como. Lorena estava parada, com olhar ao longe, pensando; voltou em si quando ouviu a pergunta do casal ao lado:
- Ah, Maikão, libera aí pros casais.
- Nada disso, vocês dois podem separar, nada de ficarem abraçadinhos. Eu e a Camila vamos dar o exemplo e nenhum de vocês vai ficar de namorinho, inclusive vocês dois Eduardo e Mônica.  Enfim... vamos orar?
Os jovens fizeram uma roda, deram as mãos e oraram pra que Deus abençoasse aquele retiro. Maikão, principalmente, orou com mais fervor. Por fora ele estava animado, mas por dentro ainda tinha muito medo do retiro não dar certo, parar no meio ou algo assim.
Assim que terminaram, todos se dispersaram, foram pros quartos arrumarem as coisas. Maikão procurou dona Ivete, e ia pedir pra que ela desse uma limpeza no local.
- O que?! Escuta aqui, rapaz, não sou escrava de ninguém, tá me entendendo? Olha o tamanho dessa escola, se você acha que eu vou limpar tudo sozinha, tá muito enganado.
- Calma, dona Ivete. Eu só ia pedir pra senhora limpar pouco, tipo, os banheiros e a cozinha, que são lugares mais complicados. Os jovens vão limpar as salas, os pátios e a quadra, mas se a senhora puder ajudar, liderando eles, eu agradeço...
- Liderar essa molecada? Você tá me pedindo algo difícil Maikon, muito difícil; vou ver o que posso fazer.
Ivete deixou o líder sozinho no meio do pátio, ainda admirado com a agressividade dela. Mas Maikão não poderia esperar algo diferente dela, afinal ela era.... enfim, deixa pra lá, né? Maikão ainda estava parado no meio do pátio quando Rick e Pedro chegaram.
- Temos um problema, Maikão.
***
Na cozinha, dona Vera e algumas mulheres corriam pra ajeitar as coisas e fazer o café da manhã, que seria básico: café, leite, biscoitos e um bolo de fubá. Lorena se aproximou.
- Tudo certo aí, dona Vera?
- Tudo sim, querida. Quero dizer, fora a correria, né? Ai... Mas primeiro dia é assim mesmo...
- Com certeza. E como ficou aquela situação... bem, das verduras... que o Maikão e a Camila compraram?
- Então, o Rick conversou com o dono da quitanda que tem lá perto de casa e, não me pergunte como, convenceu ele de comprar as verduras pra revender. A gente teve um prejuízo, sabe, mas melhor do que perder tudo aquilo e depois ter que comprar de novo, não é mesmo?
- É verdade. Bom, se a senhora precisar de ajuda, só me chamar.
Lorena ainda conversando com Dona Vera quando a amiga se aproximou, confusa.
- Lorena, tem algo errado com o chuveiro dessa escola. Nunca vi um chuveiro que é só um cano!
***
- Mano, eu não acredito que não tem chuveiro?! – Maikão falava saindo do banheiro dos homens.
- Não é que não tem, é que tinha, mas os alunos destruíram.
- Man, isso é revoltante. Em Ceará essas coisas não acontecem não, o povo dá valor.
- Será que o banheiro das meninas tá assim também? – Maikão sugeriu, e os três se entreolharam.
- Eu que não entro lá – Rick disse.
- Nem eu, siéloco...- Maikão se manifestou.
Os dois olharam pra Pedro.
- Diabeisso? Os dois mancumunaram pra fazer eu entrar em banheiro das muié?
- Ninguém precisa entrar em lugar nenhum – disse Lorena, acompanhada de Camila, as duas saindo do banheiro feminino – aqui também não tem chuveiro.
- Man, que que a gente faz agora, não tem loja que vende chuveiros num sábado de Carnaval... – Pedro disse, desesperado.
- Loja tem Pedro, o que não tem é dinheiro – Maikão coçava a cabeça.
- Maikão, tem como pegar o chuveiro do banheiro do meu quarto e colocar no banheiro dos homens, ninguém vai usar meu banheiro em casa... aí só falta mais um chuveiro.
- Podem pegar o chuveiro de casa também – Camila disse, querendo ajudar.
- Camila, não viaja, sua família vai tomar banho onde? – Lorena perguntou.
- Ai, não tinha pensado nisso!
- Mano, vamos pegar o chuveiro da sua casa e um da minha, lá também tem dois banheiros.
- E instalação? – Pedro perguntou.
- Depois a gente pensa nisso, velho, vamos logo – Maikão já ia deixando as meninas sozinhas acompanhado dos garotos, quando voltou - Lorena, tem como você ajudar a garotada aqui na limpeza do saguão e tals? Tipo, tô sentindo que a dona Ivete não vai ajudar muito.
- Sem problema, Maikão, fica tranquilo. Vai lá e resolve isso, eu e a Camila damos um jeito aqui.
Maikão agradeceu com um jóia e saiu em disparada.
***
Foi um dia agitado. Enquanto os jovens se agitavam em gincanas e brincadeiras trazidas pelo palestrante do dia, pastor Rogério de uma Igreja de outra cidade; Rick, Pedro e Maikão se matavam pra conseguirem instalar o chuveiro no banheiro das meninas. O do banheiro dos meninos fora difícil, mas esse era pior, pior porque cada momento tinha alguma menina querendo usar o banheiro, e os três tinham que sair.
Era o pico da tarde, e nada de ter o chuveiro instalado. O pastor Ludovico ajudaria muito, mas não estava na cidade aquele dia. Justo aquele dia. Até que, enfim, pareceu que ia funcionar.
- Liga a chave aí – mandou Rick.
O chuveiro funcionou.
- AEEEEEEEEEEEE!!!!!!!! – os três comemoraram, saindo do banheiro.
- E aí, deu certo? – perguntou Lorena.
- Siim, hahahaha – comemorava Maikão – graça a Deus, deu certo. Obrigado, Senhor!
- Que bom, por que... Tá vendo lá? – Lorena apontou delicadamente pra cozinha, onde estavam Roberto e Patrícia, pais da Mônica; dali do meio do saguão dava pra ver a cozinha – Já é o terceiro casal de pais que vem essa tarde ver como estão as coisas, a cozinha, e, principalmente, o banheiro. Os outros dois deu pra enrolar, mas esses aí não saem daqui sem antes verem se tá tudo bem no banheiro.
Lorena conversava com Maikão, como se Rick não estivesse ao lado, participando da conversa.
- E o que é que tem? – perguntou Rick, mas perguntou a Maikão.
- Sabe, Maikão, eu acho isso muito estranho. Os três casais estavam com a mesma conversa afiada que estão preocupados com o bem-estar dos filhos e blá-blá-blá... e todos insistindo muito pra ver o banheiro, com se eles soubessem que a gente tava sem chuveiro e tivessem combinado de virem aqui conferir.
Maikão franziu a testa e coçou a cabeça.
- Deixa eles verem os banheiros então, e vamos esperar que isso não seja nada. Eu realmente espero que não seja nada.
***
E o primeiro dia do retiro tinha findado. Embora tenha sido um sucesso para os jovens (o pastor Rogério sabe entreter a juventude e pregar a Palavra, fico admirado!), Maikão estava exausto, fora tão corrido, e ele tinha até medo de pensar nos outros três dias que ainda estavam por vir. Se fossem tão corridos quanto o primeiro, ele não sabia se aguentaria tanta correria Mas, enfim, todos os jovens estavam em seus “quartos”, e as luzes tinham sido apagadas.
Tudo o que ele podia fazer era descansar e não pensar nisso. Em seu quarto particular, pois ele tinha pegado uma sala de aula só pra ser seu quarto, ele orou entregando tudo a Deus novamente e capotou. Dormiu feito pedra.
Rick e Lorena, porém, permaneciam estranhos. Ele tentara não pensar em nada durante o dia, e tinha conseguido. O dia tinha sido tão corrido atrás de soluções que ele não teve tempo pra pensar na reaproximação, que seria difícil. Mas agora, deitado no colchão jogado ao chão, ele não conseguia parar de pensar nisso.
Lorena preferia não pensar nada (como se conseguisse). Virava pra lá, virava pra cá, jogava o edredom pra longe, o puxava de novo, como se este fosse a causa de sua insônia, mas não era. Sua insônia tinha nome: Rick. Por fim, o casal foi vencido pelo cansaço, e os dois dormiram.
A noite foi serena e tranquila na grande escola.
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Ou não. Aquilo ali... ali, olhe... viu? São pessoas saindo do quarto durante a noite? Cadê o Maikão, Rick ou Lorena pra ver isso???



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