Dias de Retiro - Capítulo III: A Primeira Confusão



Aquele sábado estava quente, numa manhã de sol forte. Mais quente que isso somente o clima da Igreja. Lá reuniam-se a maioria dos pais da mocidade, com as fichas de inscrição nas mãos, e muitos dúvidas na cabeça. Todos querendo saber que história seria essa de “retiro” pra mocidade. Em cima do púlpito, o pastor tentava acalmar os ânimos.
Atrás do púlpito, Maikão tremia como vara verde, morrendo de medo de falar para pais tão nervosos. Rick tentava ajudá-lo.
- Maikão, calma... não fica nervoso, calma...
- Como, mano?! Como não ficar nervoso com esse monte de pais aí, desse jeito?!
- Olha, eu li na internet uma vez que, pra você falar em público sem medo, você tem que imaginar a plateia toda pelada.
Maikão o encarou.
- TU TÁ MALUCO, MANO?! COMO VOU FAZER UM NEGÓCIO DESSES?! Ainda mais dentro duma Igreja! E tem pais de brothers meus aí!
- Calma, não precisa gritar... é técnica pra falar em público, sério.
- Velho, porque tu não vai lá e fala com eles? Tu já tem mais facilidade, mesmo.
- Ué, porque o líder da mocidade é você, eles querem explicações de você. Você não prega toda semana?
- Sim, mano, mas é mais fácil, tipo eu tenho a pregação, sei que Deus sempre tá ali comigo, me ensinando o que devo falar pra garotada. Aqui é diferente, velho! Tem esse monte de pais nervosos... ai meu Deus!!
Foi quando o pastor Ludovico chamou os dois pra cima do púlpito. Maikão subiu, tremendo inteiro, quase quando esteve no gabinete do pastor, mas dessa vez era mais perceptível. Rick também estava nervoso, mas demonstrava menos.
O microfone tremia na mão do líder da mocidade, ele foi dar as primeiras palavras e trombou o microfone na boca, arrancando uns poucos risos da plateia que, até o momento, tinha estado em total silêncio, com os olhos fitos nos dois.
Maikão não sabia se ria, se pedia desculpas, se cumprimentava os pais com “bom dia”. Rick se viu obrigado a ajudar o líder, pediu o microfone e começou:
- Bom dia.
Antes que Rick falasse mais qualquer outra palavra, os pais alvoroçaram. Foram duvidas surgindo de todos os lados, todos falando ao mesmo tempo, de uma hora pra outra, que quase deixou os dois rapazes zonzos.
- Gente, pelo amor de Deus, um de cada vez.
- Que história é essa de pagarmos metade na entrada do retiro e metade depois? – perguntou um dos pais.
- Bem, como tivemos a ideia em cima da hora, decidimos não apertar a situação financeira de ninguém, muito menos da Igreja. Vocês dando a metade agora, a outra metade a Igreja paga até vocês acertarem. É um compromisso simples assim.
- E se alguém não pagar a outra parte? – perguntou uma mãe preocupada.
- Aí a Igreja terá que confiscar algum bem dessa pessoa – fez-se um grande silêncio – hahahaha...
Rick descontraiu, alguns pais riram, outros ainda estavam nervosos demais para rirem, mas o fato é que o clima foi deixando de estar tão tenso. Maikão, que hora ou outra acrescentava algum detalhes esquecido pelo amigo, respirava mais aliviado. Em pensamento, ele ficava o tempo todo:
- Obrigado, meu Deus. Obrigado!
***
Praticamente não tinham mais pais na Igreja, quando Lorena chegou. O pastor, Rick e Maikão conversavam com os pais de Mario, um daqueles galãs de 14 anos. Quando Maikão e Rick a viram, deram um jeito de sair da conversa e irem ao encontro da moça.
- E aí, como foi? – ela perguntou.
- Foi bem, amor. Os pais entenderam a proposta e a maioria apoiou, só um ou outro que ainda estão com receio. Isso é normal.
- É normal mesmo. Eu vim pra avisar que não vou conseguir sair pra fazer as primeiras compras no mercado. Surgiram uns imprevistos aí, vou ter que ficar até tarde trabalhando. Tem como você ir com o Maikão e a Camila, Rick?
- Tem sim... eu vou então.
Lorena se despediu e já ia saindo, quando Camila chegou. Foi direto em direção ao namorado, e ia cumprimenta-lo com um selinho, Rick se colocou entre os dois:
- Nada disso, vocês dois. Estamos dentro de uma Igreja. Comportem-se!
Sem graça, Maikão apertou a mão da namorada.
- E então, vamos lá no mercado, pras compras iniciais? – Camila sugeriu, animada.
- É gente, mas não vamos sair comprando a torto e à direito não, só aquilo que a gente achar de realmente pode comprar. Alguns pacotes de arroz, e tal. Quantas fichas de inscrição, Maikão?
- Tô com 33. Estão faltando, que eu me lembre, as do Marcos e da Patrícia, mas eles vão pra Fernandópolis com os pais, sua mãe falou aquele dia; tá faltando a do Pedro.
- Ele vai viajar também – Rick disse.
- E tá faltando a do Eduardo.
Maikão havia falado naturalmente, mesmo assim, ficou sem graça. Qualquer pessoa na situação dele ficaria, e era de se esperar que Eduardo não quisesse participar do Retiro, afinal.... deixa pra lá, quem vive de passado é museu, mesmo que esse passado seja apenas de 2 meses.
Enquanto os três retomavam a conversa, o celular de Rick tocou. Pedro o chamava desesperadamente, dizendo que precisava muito do amigo em sua casa.
- Nossa, gente, aconteceu algo, preciso ir na casa do Pedro. Vão vocês pro mercadão atacado, depois a gente conversa.
Rick mal se despediu, já foi entrando no seu fusca. Nunca Pedro havia o chamado assim, algo havia acontecido.
***
- Pedro, não tem um pingo de graça – Rick disse de cara fechada, enquanto o amigo ria escancaradamente.
Pedro havia chamado Rick desesperadamente, mas tudo o que ele queria saber era se poderia participar do retiro, já que sua viagem fora cancelada. Parecia uma brincadeira vingativa, mas tudo o que Pedro queria mesmo era que Rick não notasse que, assim como outras vezes, ele havia fugido dos preparativos iniciais. Dessa vez não fora de propósito.
- Oxi, tu não adora fazer chantagem emocional? Quem fez agora fui eu, hahahaha – e Pedro ria mais ainda.
- Nada a ver.... NADA A VER... é totalmente diferente.
- Nem vem, Rick, não me enganas... e tu não disse ainda se tem lugar pra mim no retiro.
- Claro que tem, mas você precisa dar metade já na entrada, e a outra parte daqui um mês.
- Isso não é problema, já que eu tinha uma reserva pra viagem. Se quiser dou logo tudo na entrada.
- Era o que você merecia mesmo, por me fazer passar nervoso... abusado.
- Abusado não. Xingue, mas não ofenda. Diga, Rick, e como anda o planejamento?
- Sabe, foi bom você perguntar. Tá tudo muito bem, muito bem.
***
  - Não tá nada bem, Rick – a mãe do rapaz falava, nervosa – tudo o que o Maikão e a Camila trouxeram do mercadão foi uma floresta de alfaces, rúculas, alcachofra... Rick, alcachofra, que jovem come isso? Fora que o retiro é até semana que vem, até lá tudo murcha!!
- Mas porque eles fizeram isso?? – Rick perguntou, inconformado.
- Porque são dois desmiolados. Disseram que tava na promoção e acharam que era um bom negócio... ai meu Deus... e agora? Como vamos fazer?
- Não sei mãe – Rick disse, desapontado – onde estão essas coisas todas?
- Lá na cozinha... não é só isso que tá lá, filho... Lorena passou aqui pra ver o que haviam comprado e... ai, ela tá lá, pensando nalguma solução.
Rick foi pra cozinha em passos lentos. Ele sabia que ele tinha que ter acompanhado o casal nas compras, mas não imaginava o imprevisto que aconteceria. E como ele ira explicar pra namorada o porquê de não ter ido junto?
Rick chegou na cozinha e Lorena estava de costas, cabelos atrás da orelha, olhando as sacolas em cima da pia. Quando ela sentiu que havia chegado alguém, virou-se: lá estava ele.
- Rick, você não ia junto com eles? Será que você não pode fazer uma coisa que eu te peço?
- Calma, amor, aconteceu um imprevisto, o Pedro me ligou desesperado...
- O Pedro?! Rick você deixou os dois sozinhos pra ficar com seu amigo? O que você tem na cabeça? Só pensa em você?! – A este ponto, ela já estava gritando.
- Não foi bem assim... calma, a gente dá um jeito...
- A gente?! Não, EU dou um jeito, porque se eu não ajudo, vocês só fazem burrada!!! Eu tô cansada, Richard. Cansada disso tudo, de dependerem sempre de mim, tô cansada de me preocupar com isso tudo, tô cansada de... – e Lorena parou a frase no meio, antes de termina-la. Rick completou:
- Cansada de mim? Do nosso namoro?
Os dois ficaram se encarando por alguns segundos. Lorena pegou a bolsa e saiu, sem nem ao menos cumprimentar Dona Vera, que não se sentiu ofendida por isso, tinha ouvido a discussão da sala e estava com o coração na mão.
Rick subiu as escadas e foi para o quarto. Ele não sabia o que pensar e nem conseguia decifrar o que se passava dentro de si; ela tão pouco. Lorena não conseguia entender, mas sabia que estava decepcionada. Decepcionada consigo mesma.
***
- Senhor, o Senhor me colocou como líder da mocidade desta Igreja a pouco tempo, e não sei porquê o Senhor escolheu justo eu, sei lá, tenho tantos defeitos, mas o Senhor escolhe as coisas loucas deste mundo, né? Eu sou uma delas.
- Então, Senhor, me ajuda a realizar esse retiro. Eu sei que foi o Senhor que colocou essa ideia no meu coração, tenho certeza. Me ajuda, ajuda o Rick, a Lorena... todos nós, Pai, porque precisamos que o Senhor direcione e faça Sua vontade nesse retiro. Em nome de Jesus, amém.

Maikão, que estava ajoelhado ao lado da cama, levantou-se e deitou-se pra dormir. Tudo o que ele tinha em mente era aquele versículo: entrega o teu caminho ao Senhor; confia nEle, eEele o fará.

Capítulo IV: Portas abertas



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