Sentado
em frente ao pastor Ludovico, Maikão, o líder da mocidade da Igreja, tremia
todo. Ele, com calças largas, blusa de frio amarrada na cintura (mas é
verão!!!!), tênis largo, segurando a toca na mão, e o pastor lá, com sua camisa
social, calça jeans e sapa tênis. Os dois não tinham dito uma única palavra
sequer, mas bastava o pastor encarar Maikão que um calafrio passava pelo corpo
do jovem.
-
Maikon, você é quem pediu pra falar comigo. Eu não vou chamar sua atenção.
Então não precisa ficar com medo de estar no meu gabinete – o pastor tentava
quebrar o gelo.
-
É.... eu sei... é que... bem, é o gabinete do pastor, né? – Maikão respondeu, coçando
a cabeça.
-
Mas, diga-me: por que você quer falar comigo? Houve algum problema com algum
jovem? Eu sei que você foi eleito líder da mocidade recentemente, então está
com alguma dificuldade?
-
Não, não... Quero dizer, sim... É que não deixa de ser um problema e uma
dificuldade, né pastor?
-
Então pode falar – pastor falou num tom sereno que encorajou Maikão.
-
É tipo assim, pastor: todo ano acontece o Carnaval, é uma sem-vergonhice tudo
aquilo, só que a mocidade fica exposta a tudo isso, e isso é muito ruim. Eu
estava orando, pensando nisso tudo e tals, e Deus colocou no meu coração a
seguinte ideia: e se a Igreja afastasse a mocidade nesses dias?
- Hm... Como isso seria?
-
Tipo, alugar uma chácara afastada da cidade, colocar todo o povo lá...
-
Bem, Maikon, aí complica – questionou o pastor, franzindo a testa – porque
chácaras são caras, e se formos fazer um retiro, como você sugeriu, serão
quatro dias de aluguel pra Igreja bancar, mais alimentação...
-
Ah sim, pastor... foi só uma ideia, e outra, cada jovem vai pagar o seu, mas
não precisa ser numa chácara, pode ser feito aqui na Igreja mesmo, ou em... hm..
em.. outro... lugar aí – Maikão ainda se enrolava todo pra expressar o que
estava pensando.
-
Olha, vamos fazer assim: você monta um planejamento e eu apresento ao conselho
da Igreja. Se eles aprovarem, nós faremos o retiro.
-
Ô pastor, mas aí o senhor quebra minhas pernas – Maikão falou sem pensar,
quando percebeu, ficou sem jeito – Quero dizer... é que eu não sei fazer
planejamento não, eu contava com a ajuda do senhor.
O
pastor Ludovico parou um instante pra pensar, levando a mão na boca, a cabeça
apoiada na mão e o olhar ao longe. De repente, pareceu ter encontrado a
solução.
-
Eu conheço uma pessoa que pode te ajudar. Uma não, duas!
***
-
Nossa, Ludovico, por que você demorou?! Uma Escola Bíblica que eu não vou e
você volta essas horas?! – perguntou Dona Vera ao marido, que tinha acabado de
entrar pela sala.
-
Você está com ciúmes querida? – Vera devolveu com um olhar, digamos que, não
amigável – o Maikon pediu pra falar comigo, ele sugeriu que a Igreja faça um
Retiro de Carnaval pra mocidade.
-
O que?! E você disse não, né? – Vera perguntou, indignada.
-
Na verdade... não.
-
O que?! Como não?! Ludovico Rogério, o senhorito não pensa em deixar quase 40
jovens na responsabilidade do “Maikão”, pensa?? – a esposa encarava-o com os
dois olhos pretos e cerrados.
-
Vera, ele é o líder da mocidade, é responsável, eu não deixaria a liderança com
uma pessoa irresponsável. E acontece que eu não decidi nada ainda, falei pra
ele conversar com o Rick e a Lorena, pra eles montarem um planejamento – disse
o pastor, já tirando os sapatos e estirando-se na cama do casal.
-
Pior ainda! Onde o Rick tem cabeça pra cuidar desses jovens, vai sobrar tudo
pra coitada da Lorena! – o pastor estava deitado, de olhos fechados - Olha pra
mim quando eu tô falando com você!!
Ludovico
sentou-se.
-
Eu não entendo, Vera: quando foi pro Rick fazer aquela primeira cantata, no
Natal retrasado, o Rick não tinha experiência nenhuma, mas você apoiou. Agora,
que ele e a Lorena já fizeram três cantatas e têm experiência, você não apoia.
Ludovico
voltou-se a deitar.
-
Ludovico, uma cantata é totalmente diferente de um retiro. A cantata é um dia
só, uma apresentação, mas o retiro são quatro dias mantendo 40 pessoas juntas,
se alimentando, dormindo, tomando banho... É loucura deixar o Rick e o Maikão à
frente disso!
Ludovico
sentou-se.
-
Vamos fazer assim: eles apresentam o plano, e a gente vê. Se não for bom, não
acontece – e deitou-se novamente.
Dona
Vera deixou o quarto resmungando:
-
Eu é que não vou ficar aqui esperando. Não mesmo!
***
De
longe podia se ouvir os passos da moça pelo estacionamento do prédio. Saltos
altos, saia preta, blusa social branca e blazer preto formavam o figurino da
jovem que deixava o local com rosto de satisfação. Os cabelos ruivos estavam
soltos, e, carregando uma pasta de couro com o cronograma do evento, Lorena
caminhava despreocupada: o jantar empresarial fora um sucesso.
De
repente, ela sentiu como que se alguém a seguisse; parou um segundo para
conferir, mas não havia ninguém atrás de si. Lorena apertou o passo. Quem
assiste filmes de terror sabe o quanto medonho é se estar sozinho num estacionamento
de prédio, ainda mais numa sexta feira a noite. Lorena lembrou-se daquele filme
que havia passado na TV: a moça era raptada num estacionamento como aquele... era
sexta-feira a noite, como aquela... a moça era ruiva, como Lorena... a moça
estava ao lado de um carro vermelho. Espera, ali não é um carro vermelho ao
lado dela?!
“Pare
de pensar isso!” ela ordenava a si mesmo, até ouvir algo novamente; dessa vez
não parou para ver, apenas olhou por cima do ombro, e nada. O passo era rápido,
mas ela não corria, e nem demonstrava medo, embora por dentro estivesse se
derretendo. “Se aparecer alguém eu dou uma pastada”.
Ela
já estava se aproximando do carro, tomou as chaves nas mãos. Ela estava bem
próxima quando viu. Oh meu Deus, agora ela tinha visto uma sobra à sua frente:
alguém estava atrás de si. Lorena encostou no carro, apertou a pasta contra o
corpo e fechou os olhos, sem coragem de olhar. Quando abriu os olhos, lá estava
o horrendo e assustador...... gatinho.
-
Oh! Que fofo! E que medo me fez passar! – bufou aliviada, enquanto acariciava o
bichano.
Mas,
quando levantou-se, o susto: um rosto familiar lhe veio de encontro:
-
OOOOIII....
Lorena
não pensou duas vezes. A pasta ainda estava na mão. Quando viu, acertou bem no
meio da cara do moço, que estava deitado em cima do capô do carro dela e foi ao
chão. O topete tinha se desfeito.
-
O que é isso? É assim que você trata o namorado??
-
Ai meu Deus!! Rick?! O que você tá fazendo aqui? – Lorena tentava socorrer.
-
Eu vim ver minha namorada, mas acho que não sou bem-vindo, né?
-
Nem vem, você me assustou. Apenas me defendi – de repente, ao lado do casal,
surgiu Maikão... vermelho de tanto rir
-
Que tabefe, hein Lorena?! Hahahahaha...
-
Maikão?! Espera. O que vocês dois estão tramando, hein?
-
Eu também não sei, amor – Rick já ia se justificando com as mãos levantadas -
só sei que Maikão quer falar com a gente.
-
É. E é uma treta séria.
Os
três se entreolharam.
-
Vamos resolver isso numa lanchonete? – Rick sugeriu.
***
Rick,
Lorena e Maikão já estavam acomodados na mesa da Lanchonete “Saco Sem Fundo”.
Já tinham feitos os pedidos e aguardavam, em silêncio.
-
Então, como eu tô de vela aqui e quero evitar que o casal comece uma conversa
água com açúcar e me deixe sem graça, vamos ao assunto principal. Preciso que
vocês me ajudem a montar um planejamento pra Igreja fazer um retiro de carnaval
esse ano.
-
Retiro de carnaval? – indagou Lorena.
-
Sim, tipo, “retirar” a mocidade.. afastar do carnaval e tals, sacam?
-
Claro! – respondeu Rick animado – Acho uma ideia bacana demais!! A gente ajuda
sim, vai ser muito da hora...
-
A gente não Rick, você – cortou Lorena – não dá pra eu ajudar dessa vez.
-
Ah amor, não vem com esse papo pra cima de mim de novo. Na primeira cantata
você disse que não podia, e pôde.
-
Rick, é diferente. A cantata eu não queria porque a gente não se entendia, e
tinha todo aquele dilema, mas agora é por causa do meu serviço.
-
É verdade... Naquela época quem diria que a gente ainda namoraria, né?
-
Pow velho, eu já comecei esse assunto pra vocês não ficarem melosos, e tu vem
com esse papo?! – Maikão virou para Lorena – joga a real aí: vai ou não vai
ajudar?
-
Desculpa, Maikão, mas não dá.
Foi
como se tivessem jogado um balde de água no trio. Rick suspirou e Maikão, que
estava animado com a ideia, começou a pensar na possiblidade do retiro não
acontecer. Lorena olhava para os lados, para cima, tentando disfarçar ter sido
ela quem esfriou o ânimo dos rapazes, mas qualquer um perceberia. O clima já
estava meio estranho, quando Rick, observando Lorena, concluiu:
-
Lorena, você sabe que essa sua roupa social não combina com lanchonete, né?
***
DING
DON
Lorena
deixou o notebook sozinho em cima da mesa e correu atender a porta. Do lado de
fora, Vera aguardava ansiosamente.
-
Ah Lorena! Que bom que você está em casa. Preciso muito falar com você – Vera
disse e já foi entrando.
-
Pode falar, Dona Vera, aconteceu alguma coisa?!
-
Não, mas está prestes a acontecer, minha filha... ai... é a respeito do retiro.
-
Olha, se o Rick mandou a senhora aqui pra me convencer...
-
Não, pelo amor de Deus, o Rick não sabe que vim aqui. Lorena, eu acho isso um
absurdo, muita responsabilidade pra você, o Rick e o Maikon realizarem esse
retiro. Então vim oferecer ajuda.
-
Então, Dona Vera, acontece que... bem, eu não vou participar. Eu tenho muito
serviço esse começo de ano, sabe, e também...
-
Não, não sei – Vera interrompeu – Você vai participar sim. Vai com força. Ludovico
se animou com a ideia e vai querer fazer esse retiro, mas seria um absurdo sem
você. Maikão e Rick não tem cabeça pra isso. Você vai sim!! Onde já se viu.
-
Mas Dona Vera...
-
Nem mais, nem menos minha filha. Você vai e ponto final. RUN!
Comentários
Postar um comentário