A manhã mal tinha começado, Jeferson e Alfredo estavam
quase aos socos! Fosse Maikão chegar dois segundos atrasados, e os dois se
pegavam. Ninguém tinha conseguido separar, e nem entender o motivo da discussão
(acho que era sobre uma pasta-de-dente, ou sabonete... quem consegue entender dois
jovens berrando??).
- Vocês dois não mais criancinhas, mano! Podem parar com
isso! – Maikão chamava a atenção dos garotos
-
Mas é que ele...
–
Mas nada! Velho, vocês estão num retiro pra falar sobre amor entre irmãos, pra
gerar comunhão, não pra brigar. Vocês acham que agradam a Deus assim? – os dois
negaram com a cabeça – então tratem de fazer as pazes!
Os dois garotos deram as mãos, com os rostos ainda
fechados.
- Muito bom! Não quero mais ver nada disso, senão tiro os
dois do retiro! Agora, vão lá fora... Andem! - os meninos ainda saiam, quando
Maikão suspirou - Ai Deus do céu, o que será que ainda me espera?!
***
Rick e Pedro iam para o banheiro quando notaram a enorme
poça d’água que saía da cozinha e atravessava parte do pátio. Na cozinha, dona
Vera e as mulheres que a ajudava trabalhavam a todo o vapor, fazendo o possível
no meio de uma cozinha suja e com cano solto.
-
Oxe! Que houve aqui?!
-
Que bom que vocês chegaram! O cano da pia soltou e nós não sabemos o que
fazer... ai, olha a aguaceira pela cozinha! vocês precisam chamar o Maikão.
- Calma mãe, o Maikão tá resolvendo uma briga dos meninos
no quarto, não quero sobrecarregar ele.
- Ai, Rick, mas a gente tem que resolver isso. Não dá pra
cozinhar sem podermos usar a pia, sem falar na sujeira pela cozinha toda!
- Mas, dona Vera, daqui dá pra ver que o negócio só é
soltou. Facim concertar, já fiz isso um monte de vez em casa.
- Pera... tu sabe fazer isso?
- Sei sim.
- Então não enrola. Vai lá e dá um jeito na situação.
Pedro até assustou com o grito que Rick deu, saiu em
disparada e quase levou um tombo daqueles (se ele tivesse levado, eu ria). Em
pouco mais que vinte minutos o moço conseguiu acertar o cano e já não vazava
mais. Agora, que a cena de Pedro
agachado, de pijama, se molhando todo pra concertar a pia, foi engraçada, isso
ninguém nega.
***
-
Eu tenho que limpar tudo isso?? – Dona Ivete questionava, indignada.
-
Sim, é que houve um imprevisto na cozinha, um cano estourou, e como as mulheres
estão trabalhando ainda no café da manhã, que atrasou, eu preciso que a senhor
ajude...
-
Meu Deus, Maikão, cada dia você quer que eu faça mais. Pode ter certeza que vou
conversar com o pastor Ludovico a respeito disso.
Ivete
saiu.
-
Por que dona Ivete dá problema? Eu não entendo. – Lorena perguntou, se
aproximando.
-
Na verdade, Lorena, eu até entendo, sabe? Ela é mãe do Eduardo, né?
Lorena
consentiu com a cabeça.
-
Maikão, Maikão... – Dona Vera chamava da cozinha. Maikão e Lorena foram ver o
que era.
-
Avisa a garotada que o café da manhã está servido; mas a gente tá com um
pequeno problema.
-
Ai meu Deus, dona Vera, o que aconteceu agora? Desse jeito eu fico maluco.
- Calma, não é nada difícil, é que a gente acha que é
preciso comprar algumas coisas aqui pra cozinha hoje, porque senão vai faltar.
- Mas eu não posso ir agora, dona Vera.
- Ora, então deixa que eu vou – Lorena se prontificou –
eu só preciso saber o que comprar que vou sem problema.
- Formou, então Lorena, tu vai lá e pega pra nós.
- Ai, Maikão, mas tem umas coisas meio pesadas pra Lorena
carregar, eu acho que alguém precisa ir junto pra ajudar.
- Ah, firmeza então, eu chamo o Rick.
-
NÃO! – Lorena soltou o grito sem pensar - Quero dizer, não precisa, posso ir
sozinha. Dona Vera, não vou precisar de ajuda de ninguém, eu garanto – a moça
tentava escapar com um sorriso amarelo.
- Ai, minha filha, mas olha esses seus bracinhos... deixa
de ser boba, o Rick carrega pra você, homem foi feito pra isso – uma das
ajudantes chamou dona Vera, que deixou os dois na porta da cozinha.
-
Lorena, papo reto – Maikão falava - acho melhor ir alguém contigo. E quem
melhor que o Rick?
Lorena levou a mão na boca, nervosa, e pensou: “e quem
pior que o Rick?”
***
- Mano, a gente precisa que alguém vá no mercado buscar
umas coisinhas, tu não quer ajudar? – Maikão perguntava pra Rick, no meio do
corredor dos quartos
- Beleza, eu vou sem problema.
- A lista de coisas pra comprar tá com a Lorena, é só
levar ela e ajudar pra carregar – Maikão falou apressado e já saiu pra chamar a
garotada pro café. Rick estava sem reação.
Na porta que dava para o pátio, Lorena estava de frente
pra Rick. Ele olhando pra ela. Ela olhando pra ele. Nenhum dos dois sabia o que
fazer, mas era preciso fazer algo; e Rick pensou primeiro. Começou a caminhar
na direção dela, em passos lentos e cautelosos.
Quanto mais perto ele chegava, mais ela ficava nervosa.
Ele estava se aproximando, e ela não sabia o que fazer. Mais três passos e ele
estaria perto o bastante.
Mais dois passos.
Ai meu Deus!
Mais um passo.
Num impulso, Lorena agarrou Clarinha, que passava ao seu
lado nesse instante, e puxou pra junto de si.
- Vamos Clarinha, você vem com a gente!
***
Camila
estava sentada com o pão com manteiga à sua frente, ao lado a xícara com café;
mas o olhar da moça ia longe.
-
Vai comer esse pão não, Camila? Se não quiser, passe pra cá que eu traço tudo!
-
Ai Pedro, que susto! Deixa de ser guloso, o pão é meu.
-
Ih!! Tá tudo bem?
-
Pedro, responde uma pergunta: você já teve a sensação de acordar de madrugada e
abrir os olhos, que ainda estão meio embaçados porque você tava dormindo, e ver
alguma que você não sabe se está vendo mesmo ou não, e quando acordar de manhã,
não saber se viu ou se era um sonho?
-
Hm... não! Tu vai ou não comer esse pão?
-
Ai, Pedro, sem brincadeiras. Eu acho que vi alguma coisa ontem à noite!
-
Sério?! Tipo o que?
-
Tipo alguma coisa, sei lá. Não sei nem se vi de verdade, como vou saber o que é
que eu vi? Eu acho que vi.
-
Valian, Camila. Tipo fantasma?! Tu viste fantasma?! – Pedro falava, erguendo as
pernas de debaixo do banco.
-
Claro que não. Eu vi gente, gente de verdade. Gente se encontrando escondido a
noite.
-
Oxe, então diga a Maikão, ele é teu namorado, vai ser mais fácil falar com ele.
-
Mas eu nem vi direito, não sei se tava dormindo ou acordada, se é verdade ou
não.
-
Então desencana, não adianta ficar pensando no que você viu, ou não viu, sei
lá...
Camila
concordou com a cabeça, meio contrariada, e manteve o olhar ao longe.
Fez-se
uma pausa.
-
Vais ou não comer o pão?
***
No
fusquinha, o único a fazer barulho (e bota barulho nisso) era o carro. Lorena,
Rick e a irmã seguiam em silêncio. Clarinha não sabia o porquê de ter sido
convocada, mas estava prestes a saber.
-
Clara, avisa teu irmão que ele passou o retorno pro mercado “Big Preço” –
Lorena disse, sem olhar pra trás.
Clarinha
ia falar, quando foi interrompida.
-
Clarinha, avisa ela que não vamos no “Big Preço”, vamos no “Preço Big”.
Clarinha,
que estava estranhando a situação, até tentou falar, mas foi interrompida
novamente.
-
Clara, avisa teu irmão que os produtos do “Preço Big” têm péssima qualidade.
-
Clarinha, avisa que no “Preço Big” é mais barato e que a qualidade é a mesma.
-
Clara, avisa teu irmão que agora ele passou o acesso ao “Preço Big”.
-
Clarinha, pergunta pra moça se ela quer dirigir.
-
Clara, só avisa teu irmão que eu não dirijo carro velho caindo aos pedaços.
-
Ai, querem parar vocês dois – Clarinha interrompeu a briga – eu não vim aqui
pra ficar intermediando a discussão, que fique bem claro isso para os dois!
E
o silêncio (ou barulho do carro) voltou a reina no Fusca. Clarinha, que tinha
odiado o silêncio no início, estava feliz em ver o casal calado. Mas eles não
ficaram calados por muito tempo...
-
Clara, avisa teu irmão que ele quase atropelou aquela senhora...
***
O
almoço estava atrasado, quando Rick, Lorena e Clarinha retornaram a escola.
-
Pelo amor de Deus, gente! – dona Vera falava – porque demoraram tanto?! Estamos
esperando vocês pra terminar o almoço.
-
Ai, mãe, nem fale nada. Você não sabe como foi uó sair com o Rick e a Lorena
desse jeito – Clarinha disse, trazendo algumas coisas na sacola – me lembre de
esperar eles fazerem as pazes pra voltar a sair com eles.
Rick
trazia uma caixa com as coisas mais pesadas, e Lorena algumas sacolas.
-
Pronto, dona Vera, aqui está tudo da lista. A gente demorou um pouco porque o
Rick quis ir no mercado mais longe, mas já está tudo aqui.
-
Tudo bem, avisem o Maikão que mais uns 15 minutos e tudo está pronto.
***
Maikão
abriu as portas da escola para o culto da noite. Era domingo, a escola estaria
cheia dos familiares dos jovens. Para Maikão, seria muito bom; mas não foi o
que aconteceu. Mal chegaram, alguns pais já foram pra cima do líder da mocidade
querendo tirar os filhos de lá.
-
Mas, por que?
As
respostas eram sempre as mesmas: “onde já se viu, nem tinha chuveiro aqui”, ou
“e essa escola sempre imunda”, “até briga já teve aqui” e também “vocês estão
deixando meu filho com fome, atrasando tanto o almoço.”
Maikão
tentava contornar a situação, mas estava ficando difícil. De repente,
juntaram-se vários pais à volta dele, pedindo o mesmo e formando o alvoroço no
pátio. Agora, não só pais, como jovens também se reuniam. Rick e Lorena, ao
lado do líder, tentavam ajuda-lo a convencer os pais.
-
Mas o que está acontecendo aqui? – se aproximou o pastor Ludovico.
-
Esses pais querem tirar seus filhos do retiro, pastor – respondeu Rick.
-
Por que? – o pastor perguntou aos pais, que gritavam os mesmos motivos.
Estava
difícil conter os ânimos, até que alguns jovens e adolescentes foram à frente
dos pais, ao lado de Maikão, Lorena e Rick.
-
Aí, nós não queremos sair – gritou Alfredo, todos ficaram em silêncio – nós
estamos aprendendo sobre amizade, e ficar longe do pecado...
-
E perdão – Jeferson completou.
-
E amor também – disse Mário.
-
Nós queremos ficar!! – eles falavam.
-
Estão vendo? – disse o pastor - O retiro tem sido uma bênção, vocês não podem
tirar seus filhos daqui, e tirar deles o que eles ainda podem aprender aqui.
Agora, quanto aos imprevistos, sempre acontecem e já estão todos resolvidos.
Os
pais ficaram em silêncio. Não gostaram muito da ideia de continuar com o
retiro, mas não tinham o que fazer. A mocidade ficou mais unida depois da
confusão, todos tinham algo em comum: queriam ficar e estavam sendo abençoados.
O
culto da noite fora estranho depois do acontecido, e depois da janta, todos
foram deitar-se. Maikão não sabia em que pensar, só sabia que precisa descansar
porque ainda restavam dois dias. Às vezes passava por sua cabeça que o antigo
líder saberia lidar muito bem com a situação, e ele não. Então ele fazia de
conta que esse pensamento nunca havia passado por sua cabeça e deixava pra lá.
Rick
estava um tanto feliz: pelo menos tinha estado um pouco mais próximo de Lorena,
enquanto ela ainda não sabia porque a situação tinha chegado onde estava, e
como sair dela.
Mas
a noite caiu e todos adormeceram.
.
.
Ou
não... vocês estão vendo agora? Ali, olhem!!! Alguém precisa acordar Maikão,
Rick ou Lorena, eles precisam saber disso!
Capítulo VI: Como assim?
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