Dias de Retiro - Capítulo VI: Como assim?


            “AAAAAAAAAAAAI, SOOCOROOOOOO!!!”
            As meninas gritavam desesperadas, dentro do quarto. De repente, a porta se abriu, e, numa fração de segundo, estavam todas pra fora, enroladas em lençóis, edredons e cobertores. Pedro, que passava pelo corredor, quase foi atropelado por elas.
            - Arre égua, quequitá acontecendo?
            - Ai Pedro, mata aquele bicho, mata!!!! – falava Priscila.
            - Oxe... é só uma arainha. Que mal que faz? – o moço disse, pegando o inseto preto e peludo na mão.
            - Mas o que tá acontecendo aqui, mano?? – gritou Maikão da ponta do corredor, se aproximando – podem entrar no quarto, todas vocês.
            - É que tinha um bicho lá, Maikão – Priscila explicava.
            - Com bicho ou sem bicho, entrem. Andem! Aposto que é só uma mosca.
            - É uma arainha de nada, Maikão – Pedro disse, trazendo o bicho na mão.
            Quando viu a aranha na mão de Pedro, Maikão ficou branco. Lembrou-se de quando tinha seis anos de idade, e uma igual caíra em seu rosto enquanto brincava no porão. O líder soltou um berro e correu pra trás das meninas.
            - TIRA ESSE SER DAS TREVAS DAQUI!!!! SOME COM ISSO!!!
            - hahahahaha tô abestado! Tu tem medo dessa arainha, Maikão?
            - Medo não, PAVOR! Some com isso daqui. E vocês riem, né? – Maikão disse pras meninas – mas até agora tavam desesperadas, né? Todas entrando nos quartos... Vamos, vamos vamos!!!
            As meninas entraram e Maikão fechou a porta e saiu meio cambaleante pelo corredor.
***
- Você viu que tinha uma aranha enorme no outro quarto das meninas? – Camila perguntou - Camila e Lorena escovavam os dentes no banheiro..
- Ai, credo! Odeio aranhas, elas são... – Lorena falava, quando o celular tocou. A moça atendeu – Hã?? Como assim? Mas você não pode... Olha... tudo bem então... – e desligou o telefone - Ai, tô perdida, Camila. O pregador que eu tinha arrumado pra hoje acabou de me dizer que não vem. O que eu faço agora??
- Calma, amiga.
- Camila, falar calma pra uma pessoa nervosa é o mesmo que falar “pare” numa briga. NÃO ADIANTA NADA!!!
- Pensa em outra pessoa, algum amigo seu, pastor... ai, não sei... você não lembra de ninguém?
- Tem o Paulo, ele é muito gente fina... mas é amigo do Rick.
- E o que é que tem?
- Tem que o Rick vai ter que falar com ele, não tenha tanta amizade assim pra chamar o cara pra pregar... e agora, o que eu faço?? – Lorena passava a mão na cabeça, de nervoso.
- Amiga, pede pro Rick. Qual o mal nisso? – Camila disse, pensou um pouco (às vezes ela pensa) e disse – Lorena, você e o Rick estão bem?
Lorena deixou a amiga sozinha, e sem resposta.
***
Rick saía do quarto quando foi surpreendido pela namorada, que estava esperando o rapaz do lado de fora, no corredor.
- Rick, eu tive um imprevisto, quero dizer, o José, que vinha pregar hoje, teve um imprevisto e não vem mais. Então eu pensei, sei lá, será que você consegue falar com o Paulo? Aquele seu amigo, de Castilho... ele é muito legal e acho que daria certo com os jovens.
- Bom... – Rick falava com medo – tudo bem, eu acho... só tenho que ver se ele pode vir.
- Se você puder fazer esse favor pra mim eu agradeço!! – Lorena disse sorrindo e saiu, deixando Rick desconcertado no meio do corredor.
Maikão passou por ele e nem percebeu, seguia direto pro pátio, onde dona Ivete o esperava.
- O senhor fale para seus jovens que eu não sou obrigada a limpar banheiros tão sujos como esses. Se eles não tem educação, a culpa não é minha - ela disse e foi saindo, sem dar direito de resposta ao moço.
- Nossa!! – Maikão ficou sem reação, apenas coçando a cabeça. Mas, lá no fundo, ele entendia a revolta da dona Ivete.... afinal...
A poucas mesas de distância, Camila estava sentada, sozinha; tentava ler a Bíblia, mas o pensamento ia longe. Pedro foi se aproximando.
- E aí? Viu alguma coisa de novo??
- Então, vi, igual, mas não sei se foi sonho ou realidade.
- Camila, só diga: o que era?
- Bem, me pareceu duas pessoas, escondidas em edredons, se encontrando atrás da janela do meu quarto.
- Hm... então, pelo que parece, tem gente saindo à noite? Bem, agora tu pode avisar Maikão.
- Avisar do que? – Lorena foi se aproximando – desculpa gente, não pude deixar de ouvir a conversa de vocês... o que tá acontecendo?
Os dois, então, explicaram pra moça toda a situação. Lorena, perplexa, sentou-se.
- Nossa, se isso for verdade, o Maikão vai ficar bem chateado... e bravo.
- Uhum – disse Camila – mas tô pensando: como é que eu vou provar que eu realmente vi isso, amiga?
- Fácil, Camila: pega os dois no flagra essa noite; se eles se encontraram essas duas noites, vão se encontra hoje de novo. Mas, gente, esperem um pouco pra falar pro Maikão, tá? Esperem só até eu resolver uma situação aí.
- Não tem situação nenhuma a se resolver: o Paulo vem pregar hoje – Rick se aproximou.
- Ah ótimo!! – disse Lorena, deixando os três sozinhos pra avisar Maikão. Rick esperou, no mínimo, um abraço de agradecimento, mas a namorada nem mesmo olhou pra ele. Simplesmente saiu.
- Aí Rick, vamo montar tocaia hoje à noite?
- Xiu, Pedro, você vai contar pra todo mundo?? – Camila repreendeu, mas era tarde demais.
- Tocaia? Que história é essa?
***
- Maikão – Lorena se aproximava – a gente teve um problema com o José, bem, ele teve um problema e não pôde vir pra prear hoje, mas eu já vi um amigo do Rick e ele vem, tá? Ele é super bacana, cheio do Espirito Santo, sério. Você vai gostar dele.
- De boa, Lorena, sem treta, se já deu certo, tá tudo bem – Maikão sorriu.
Lorena saiu, e deixou o rapaz sozinho, no meio do corredor. Ele riscava o nome “José” da sua programação e substituía por “Paulo”. Maikão era péssimo com nomes e tinha medo de errar o nome da visita e constrange-la.
Enquanto estava ali, pôde ouvir uns sussurros vindo de trás da escola. De início, Maikão pensou em ignorar, mas, afinal: se você ouvisse sussurros vindos de um lugar escondido, não ficaria no mínimo curioso? Maikão também. Ele decidiu seguir o som. Estava entre as salas de aula e o muro da escola, num espaço bem pequeno e escondido.
Dona Ivete, no celular, falava:
- Tudo aqui vive sujo e desarrumado. Se eu fosse você, juntava os pais de novo e não deixava passar de hoje – fez uma leve pausa e continuou – sim, vivem atrasando os almoços, sem chuveiros, que tiveram que improvisar um pros meninos e um pras meninas - outra pausa – onde já se viu, um chuveiro só pra meninos e um só pra meninas! Fora que hoje os banheiros estavam imundos. IMUNDOS! Esse retiro é o maior fiasco dessa igreja.
Maikão estava atônito. Nunca imaginaria que dona Ivete seria capaz de tanto. A senhora continuou falando mal de tudo, até que, por fim, desligou o celular. Ao virar-se, deu de cara o líder da mocidade a encarando.
- Então era a senhora que estava ligando pros pais dos jovens e fazendo intriga?!
- E o que você vai fazer? – ela o encarou e saiu.
***
O dia fora bem corrido. Paulo era um jovem que vivera muitos anos longe da Igreja e de Deus, passando por diversas experiências desagradáveis, e pôde ensinar muito aos jovens. Ele contou suas “aventuras”, respondeu a perguntas e pregou, pregou muito.
Porém, Rick pouco aproveitara de todo o dia. Ele estivera o tempo todo pensando em Lorena, e no fato dela ter falado com ele normalmente quando precisou, e depois continuar ignorando. “Ela pensa que eu sou o que” ele pensava, e tentava falar pra ela, mas não conseguia. O dia havia sido cheio de atividades, e na hora do almoço ela sentara no meio de todos. Ele sabia que Lorena estava fugindo, mas ela não conseguiria fazer por muito tempo.
Era a hora do banho e, como de costume, é um corre-corre. “Cadê minha toalha?” “Quem é o próximo” e “eu tô na sua frente, nem vem” são frases comuns nesse momento. Rick pegava suas coisas na mala e saía do quarto pra ir ao banheiro tomar banho, quando deu de frente com Lorena no corredor. Eles estavam sozinhos ali.
Lorena o encarou, e deu de ombros.
- Qual é, Lorena? Quando você precisa, fala comigo como se nada tivesse acontecido, e depois que eu quebro seu galho, você me ignora? – Lorena parou, mas continuou de costas – Eu ainda sou seu namorado, mesmo você não ligando pra isso ou não querendo isso, mas se você quer terminar, então fala pra mim. Vira e fala na minha cara que quer terminar.
Lorena continuou andando até sair do corredor. Rick ficou parado por uns segundos, pensando em tudo.
A moça passou por todos no pátio e foi direto ao banheiro. Lá ela chorou sozinha: “meu Deus, preciso fazer alguma coisa, tomar alguma atitude. Como vou pedir perdão pro Rick? Eu não quero terminar... não quero” Sua voz estava rouca e, pelo que parece, ela tinha um Companheiro.
***
- Pastor, preciso falar com você...  quero dizer, com o senhor.
- Olha, Maikon, preciso ir embora mais cedo hoje. Amanhã conversaremos, tem problema?
Bem, mesmo que Maikão falasse que havia problema, não adiantaria. O pastor já estava quase dentro do carro dele. O líder tentara o dia todo falar com o pastor, mas não conseguira. Bem, talvez não tivesse problema o assunto de dona Ivete esperar mais um dia.
Maikão trancou a porta da escola e subiu a escada lentamente. Estava quebrado.
- Pelo menos amanhã é o último dia, e agora vou poder dormir bastante.
- Não conte com isso amigo.
***
- Gente, gente – Maikão coçava a cabeça – não tem nada aí, será que vocês não veem?
Debaixo da mesa estavam Rick, Pedro, Maikão, Camila e Lorena, exatamente nesta ordem, Lorena e Rick o mais longe possível. Os cinco estavam de tocaia, em plena madrugada, pra pegarem no flagra os edredons que Camila vira durante a noite.
- Eu vi, mor, tenho certeza.
- Viu o que, Camila? Nem tem nada.
- Oxe, vamos acalmar um pouco, já já aparecem.
- E se aparecerem mesmo, ninguém vê nada nesse escuro.
- E como se faz tocaia de luz acesa?
- Xiu, Pedro.
O grupo ficou quieto por um tempo... Pouco tempo.
- Ai Camila! Não precisa dar uma cotovelada em mim.
- Desculpa amiga, fui coçar a perna. Foi sem querer.
- Pedro, tu tá quase em cima de mim, mano.
- Então vai mais pra lá, oxe.
- Que mais pra lá, tô no meio de todo mundo, velho, não tem mais pra onde ir.
- Ah, quer saber, chega – Rick disse – nem tem nada mesmo.
Ele foi levantar-se e deu uma cabeçada que até fez eco no pátio grande e vazio.
Todo mundo gargalhou e voltou à falação quando ouviu-se um “xiiiu”. Os cinco pararam, onde estavam, um em cima do outro.
Um edredom azul foi surgindo do corredor, e foi em direção à janela do quarto de Camila. “Eu não disse, eu não disse” podia se ouvir sussurrando, e também “cala a boca Camila”, esse último era de Lorena.
Nem um minuto depois surgiu o edredom rosa, indo no mesmo rumo que o azul. Os dois estavam mesmo se encontrando.
- Pera aí, eu acho que conheço esse edredom.
- Deve ser algum menino do seu quarto.
- Oxe Maikão, a gente vai é só assistir e não fazer nada?
- Calma, mano, calma. Eles não estão fazendo nada. Ainda. Espera eles fazerem e a gente pega no ato. Faz assim, se arrasta até os interruptores e, quando eu mandar, tu acende a luz.
Pedro foi engatinhando até os interruptores. Fora do pátio, o casal de edredons não fazia nada, apenas estavam abraçados. Todos observavam com atenção, Rick um pouco mais que os outros.
- Pelo amor de Deus, gente, tô ficando sem paciência.
- Eu tenho certeza. Eu conheço esse edredom – Rick já ia levantando.
- O azul?
- Não! – Rick disse furioso, e foi em direção ao casal.
- E agora gente?!
Os três levantaram-se.
Rick ia em direção do casal abraçadinho.
Maikão deu o sinal.
Pedro acendeu as luzes.
Os edredons caíram.
O casal estava aos beijos.
O espanto foi geral.
Rick só cruzou os braços e berrou:
- CLARINHA!!


Deus abençoe!!

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