Naquela manhã de Outono, Juliana
despertou mais animada como não fazia há muitos dias atrás. Depois de um começo
de ano conturbado, pelo menos neste dia ela poderia levantar da cama animada:
era um grande dia para Otávio!
- Levanta, meu fio. Cê vai perdê hora!
Assim que a jovem acordava seu filho
todos os dias, um filho que muito amava. Enquanto passava o café, lembrava-se
de como Otávio iluminara a sua vida em meio às trevas. Logo depois de Otávio
ter nascido, Juliana perdera os pais num acidente de trânsito. Fora a fase mais
difícil de sua vida, e ela encontrou no filho a força que precisava para
conseguir seguir em frente.
Acho que é válido dizer que Otávio
nasceu de uma, digamos, aventura jovem. Juliana nunca fora íntima da escola e
quando os estudos eram matutinos, as notas ainda iam bem, mas quando as aulas
passaram a ser à noite as coisas ficaram mais difíceis. Então, sempre que
podia, ela fugia com algumas amigas para, como elas diziam, “dar uma volta e se
livrar daquelas aulas idiotas”. O fato é que não iam apenas meninas nesses
passeios.
E numa dessas “voltas” suas brincadeiras
com André ficaram um pouco mais adultas. Foram necessárias apenas três vezes
para que a garota percebe-se mudanças estranhas em si, e algumas semanas depois
veio a confirmação. André, que era quatro anos mais velho, nunca mais foi
visto, e Juliana precisou assumir tudo diante dos pais sozinha.
Porém, o mais difícil veio mesmo com a
morte dos pais. Juliana, que dependeria da renda deles pra sobreviver e
sustentar Otávio, precisou assumir as contas da casa e do filho sozinha. Largou
os estudos e se desdobrou em dois bicos, antes de conseguir emprego fixo como
Ajudante Geral numa multinacional próxima à sua casa.
Todas essas lembranças ainda passavam
por sua cabeça enquanto o filho já terminava de comer o pão, como de costume.
- Cê é meu maior orguio, meu filho!
Minha bênçá!
Otávio sorriu.
- E você meu maior exemplo, dona Ju.
-Sabe, fio. Fico toda orguiosa que ocê
conseguiu terminar a escola. Era minha maior vontade na vida poder ter
terminado os estudo. Promete pa mãe que cê vai até o fim nessa facurdade, fio?
Promete?
- Claro, mãe. Engenharia sempre foi meu
sonho, e eu ralei demais pra conseguir passar na federal mãe, que é aqui
pertinho de casa – Otávio pegou as mãos da mãe e, ainda sentado frente a ela na
mesa da humilde cozinha, prometeu – Mãe, eu vou terminar essa faculdade e vou
ter um emprego digno. Eu vou tirar a senhora dessa vida difícil, mãe!
- Fio, cê não percisa pensa na mãe, cê
percisa pensa no cê e numa vida boa pro cê!
- Não, mãe, meu maior sonho é ver você
numa vida melhor e enquanto eu não conseguir isso, eu não vou estar realizado!
Os olhos de Juliana lacrimejaram de
alegria.
- Minha bençá! – ela repetiu.
Otávio, então, terminou o último pedaço
de pão e, acanhado, disse:
- E sabe, mãe, tem uma garota no
colégio... eu queria que ela fosse conosco hoje na pizzaria.
Juliana voltou-se para o filho e,
preocupada, tomou suas mãos novamente.
- Que garoa, meu fio. Pelo amor de Deus
promete que cê não vai deixar nenhuma dessas menina aí atrapaiá os seus estudo,
meu fio!
Otávio sorriu, novamente.
- Não, mãe, pode ficar tranquila. Olha,
ela é super inteligente também... passou em fisioterapia na federal e vai
estudar junto lá. Pode ficar tranquila. Estudos em primeiro lugar.
Juliana e Otávio terminaram o café da
manhã e, juntos, desceram a rua até o ponto de ônibus. Juntos, foram até o
Colégio onde ocorreria a cerimônia de formatura. Juliana pedira o dia na firma,
que aceitou devido ao exemplo de trabalhadora que Juliana era.
Foi uma cerimônia linda! Todos na escola
comentavam de Otávio, o filho de uma faxineira que conseguira passar numa
faculdade federal, ainda mais no curso de Engenharia. Ao final, Otávio, Juliana
e Aline, a tal garota que de fato era bonita e inteligente, almoçaram numa
pizzaria para comemorar.
Foi um lindo dia para Juliana.
Seria um lindo dia para Otávio.
Desculpe leitor se eu o decepciono em
dizer, mas tudo o que eu narrei poderia ter acontecido e de fato seria
fielmente ao que eu descrevi se, ao menos, Juliana tivesse pensado duas vezes
antes de tomar esta drástica escolha.
Amparada pela legislação vigente,
Juliana decidira que não continuaria a gerar a pequena vida que carregava em
seu útero e, com cinco semaninhas de vida e toda uma vida de esperanças, erros
e acertos pela frente, Otávio nunca veio a nascer.
Portanto...
Naquela manhã de Outono, Juliana
despertou desanimada como fazia há muitos dias atrás, tantos dias que já
perdera a conta. A mulher, que conseguira terminar os estudos e ainda se tornar
advogada, nunca conseguira, na verdade, superar a falta de alguém em sua vida.
Alguém que ela não sabia quem era, mas que poderia ter sido seu grande orgulho
caso, por prudência, ela tivesse pensado duas vezes.
***
“Da mesma forma, o Pai de vocês, que está nos céus,
não quer que nenhum destes pequeninos se perca". Mateus 18:14
Abraço, Deus
abençoe você!
Denian Martins
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