Maria Fernanda desceu as escadas
de madeira sem pôr as mãos no corrimão, abriu aquela porta velha de pintura
desgastada que ficava escondia atrás dos degraus e entrou no porão. Deixou a
porta aberta, para que uma frestinha de luz pudesse iluminar um pouco a grande
sala escura, que tinha uma lâmpada apenas, e ainda queimada.
Passou os olhos por todo o grande
cômodo, ali estavam algumas coisas que ela havia aposentado no ano que estava
passando: um quadro antigo, que ela já não gostava mais; uma poltrona vermelha
e velha, um tapete antigo, um espelho todo trabalhado, com moldura de quadro...
Hum, aquele espelho ficaria tão bonito no
corredor da casa, antes do quarto de hóspedes!
Mas não era o espelho que ela
estava procurando, não! Ela perambulou um pouco, meio perdida, olhou perto de
onde ficavam algumas outras tranqueiras, com cuidado para não sujar o vestido
novo, todo branco. Procurou, procurou, procurou, não estava ali! Não é possível, tem de estar aqui!
Por um instante ela parou pra
pensar um pouco, pra pôr as coisas no lugar e tentar encontrar nas lembranças
aquilo que procurava. Olhando assim, aquele porão parecia tão assustador; um
lugar escondido, um lugar escuro, um lugar sujo, abarrotado de coisas velhas,
encostadas e esquecidas.
Não! Não era assustador! Na
verdade, era um lugar familiar, um lugar que estava assim como ela estava.
Isso! Tudo exatamente como seu coração estava. Sombrio, sujo, escondido,
esquecido, lotado de coisas velhas do passado que já deveriam ter sido jogadas
fora.
Foi meio estranho para ela pensar
assim, mas não podia mentir para si mesma. Sentou-se em cima de uma caixa de
madeira, nem lembrou-se do branco vestido. Estava tudo muito escuro nela,
porque ela ainda vivia à sombra de um casamento que já havia desmoronado. Nunca
conseguiu se libertar de tamanho peso, e cada vez que lembrava das últimas
palavras que ouvira do marido, corria-lhe um estranho calafrio.
Foi então que se lembrou que o
espumante que ela estava procurando estava guardado dentro da caixa de madeira
onde ela estava sentada. Só que isso não importava mais, nada mais parecia
importar, nada mais parecia ter valor, mesmo seu vestido branco, agora sujo. Se
ao menos ela encontra-se aquilo que realmente precisava...
Ouviu alguns fogos, já estava à
beira do ano novo. Ela levantou-se, abriu a caixa e tirou um espumante, limpou
o vestido, sabendo que não ficaria branco de novo. Já estava se dirigindo a
porta quando viu alguns livros empilhados, e sobre todos eles estava uma Bíblia
que ela ganhara de uma amiga alguns anos atrás, bem antes de tudo isso
acontecer.
Aproximou-se e pegou a empoeirada
Bíblia. Agora, fresta de luz que vinha do hall pairava sobre o seu coração. Ao
abrir a Bíblia, deixou cair a carta que Lisa, sua amiga, escrevera quando a
presenteou com o precioso Livro. Abaixou-se e pegou a carta, começou a ler:
“Querida Ma. Fernanda! Ainda me lembro de quando começamos a nossa
amizade, e nem sabíamos que ela chegaria tão longe assim, não é mesmo? Foram
muitos momentos bons! E agora que estou me mudando de cidade, queria te dar um
presente que fosse tão preciso quanto você, e decidi te dar a Palavra de Deus.
Não menospreze o poder destas palavras, Fer, elas são vida!
Tomei a liberdade de grifar alguns trechos que sempre achei lindos,
espero que você os ache lindos também!
Espero que você leia, coma e viva destas palavras! Um beijo de sua
querida amiga: Lisa.”
Momentos de alegria passaram por
sua mente. Ela limpou as singelas lágrimas que desceram por sua face, e que
borraram a maquiagem; e folheou a Bíblia, eram muitas as marcações, porém uma
lhe chamou a atenção:
“E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas
as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis”
Apocalipse 21:5
Ano novo, época de renovar e de
viver uma nova vida, vida de verdade. Ali mesmo, naquele porão escuro e não
mais familiar, Maria Fernanda decidiu renovar-se, entregar sua vida ao Senhor
Jesus Cristo e viver como a Bíblia diz, assim como Lisa tantas vezes havia lhe
dito.
Uma alegria imensa lhe invadiu o
coração, tão grande que não cabia em si, ela tinha que compartilhar. Com a
Bíblia na mão, subiu as escadas correndo, nem viu se a porta fechou realmente
com o impulso com que ela empurrou, e sem pôr as mãos no corrimão novamente,
atravessou o corredor e as muitas portas, até chegar a grande sala, que estava
preparada uma festa, mas receberia outra.
Abriu a gaveta do criado mudo marfim, onde
estava o telefone, e tomou a agenda, ainda constava o nome de Lisa, e seu
número de celular. Discou, sentou-se e esperou ansiosa. O criado mudo ficava ao
lado de uma poltrona verde claro, que dava em frente da janela da sala, onde
muitas vezes ela sentara desiludida. Dali já se viam os fogos que iluminavam a
cidade.
A pequena espera acabou. No fundo
da ligação, ouvia-se o som de uma Igreja que orava. Lisa sempre virava o ano em
oração. Maria, então, não fez rodeios, logo foi lhe contando a finalidade da
ligação. Lisa gargalhou.
que lindo! Que legal, amei!!
ResponderExcluirDeus abençoe muuito!! E que este final feliz seja de muitas Marias... :)
Glória a Deus e amém.....
ResponderExcluirQue este seja o final feliz de muitas Marias!!