Naquela manhã



O relógio despertou. Quando olhou para o lado, os números marcavam um horário que não era nada convidativo, mas ele despertou mesmo assim. Ele queria preparar o café e apanhar algumas flores no pequeno jardim em frente à casa que eles moravam. Queria fazer uma bandeja e trazer na cama para ela: Ester!

Sua sorte era o fato dela não despertar com relógios. Bem devagarzinho, ele tirou o primeiro pé da cama e, em seguida, tirou o próximo. Lentamente ele foi tirando a mão direita, que estava debaixo da cabeça dela, quando ela se mexeu. Ele ficou parado alguns instantes, esperando que Ester não tivesse acordado e não tivesse sentido os movimentos.

Enquanto esperou alguns instantes, lembrou-se de quando se conheceram. Numa tarde chuvosa de verão: ele todo molhado porque saíra de casa desprevenido, e a chuva perspicaz o tomara em cheio; enquanto corria de bicicleta para não se molhar mais, levou um tombo e caiu, ralando os joelhos e parte do braço direito. Ela estava passando de guarda-chuvas quando presenciou a queda e correu ampará-lo. Eles ainda eram crianças, mas a amizade serviu de apoio para o futuro namoro, noivado e, agora presente, casamento.

Decidiu repetir a façanha novamente. Sutilmente ele foi tirando a mão e conseguiu, então foi levantando-se e saiu do quarto. Do lado de fora, comemorou a vitória sobre o desafio e desceu as escadas. Chegou à cozinha, pôs a água para esquentar, preparou a bandeja para levar a ela, apanhou as flores.

Enquanto esperava a água, pensou no motivo de tudo aquilo: a conversa da noite anterior. Ester chegou docemente e disse que queria conversar um assunto sério. Ele desligou a TV e olhou para ela meio acanhado. O que poderia ser este tal “assunto sério”? Ela preferiu não remediar, e logo lhe falou: “o que você acha de nós termos um filho?”

Filho! Mas por que filho? Eles estavam tão bem na vida a dois, e ele à beira de uma promoção no emprego, e ela pensava em filhos? Como podia pensar em filhos, eles já tinham tantas coisas. Só podia ser a igreja que ela frequentava. Nos últimos seis meses, ela começou a participar de uma igreja, mudou de religião e, na verdade, melhorara muito, mas filhos?

Infelizmente ele não mediu as palavras e desaguou sobre ela todos esses pensamentos. Eles não brigaram, mas não foi uma conversa comum, ele sabia que ela tinha deitado chateada, que ela chorara depois que ele dormiu, e sabia que aquela conversa não acabaria ali. Por isso ele queria fazer esta surpresa, para reconciliar-se com ela e para pensar no assunto.

Perdido nesses pensamentos, ele nem percebeu que a água já estava fervendo. Só despertou com o barulho de passos.

-Querido? Você está aí em baixo? – Ester perguntou com uma voz sonolenta.
 -Estou assim. Volte a deitar, amor, já estou subindo. - disse ele, para despistá-la de seu presente.
 -Não, não. Acho melhor eu tomar um banho. – Replicou.

Era perfeito. Enquanto ela tomasse o banho matinal, ele ajeitaria a bandeja e, quando ela saísse, lá estaria à sua espera. E foi exatamente o que ele fez, coou o café e arrumou tudo quando, de repente, ouviu um barulho muito alto, e foi ver na janela o que era aquilo. Um carro havia batido com grande força em uma árvore da rua, duas quadras de sua casa.

Ele estranhou, porque aquela era uma rua muito calma, ele não se lembrava de nenhum acidente ocorrido ali. Decidiu sair para ver se o motorista estava ferido e se precisava de socorro. Outros vizinhos também saíram de suas casa para verificarem o que tinha acontecido. Saiu de casa, passou o portão e caminhou em direção ao carro, estourado pela batida..

Quando ele foi se aproximando do veículo, reparou numa bizarrice: sob o banco do veículo estavam a camisa, a calça, cinto, ao chão os sapatos, as meias, mas não havia ninguém dentro do carro. Ou o motorista havia se despido e deixado o carro ainda em movimento, ou havia sumido.

Um temor estranho começou a invadir-lhe o peito, então ele levantou os olhos e viu que havia muitos carros batidos em toda a sua rua, mas a maioria não tinha seus motoristas. O temor aumentou: um medo que ele não sentia desde que era criança. Meio atônito ouviu um grito agudo: sua vizinha gritava pela filha recém-nascida que havia sumido enquanto dormia em seu berço.

Isto foi o estopim para que toda a rua ficasse abalada e temerosa. E ele, que se encontrava no meio da rua, correu de volta para a sua casa, para o aconchego de seu lar, como se encontrasse a paz ali. Em segundos chegou no portão, fechou e entrou na sala. Fechou a porta da frente, para esquecer tudo aquilo. Caminhou em direção à cozinha. A bandeja ainda estava lá: a xícara, as flores... Ele tomou-a como se nada tivesse acontecido e subiu as escadas. Sua mão ainda tremia de nervoso quando ele abriu a porta da suíte.

Colocou a bandeja em cima da cama, enquanto ouvia o barulho do chuveiro ligado. Bateu na porta e, sem querer, abriu-a. Ele não entrou, mas do lado de fora disse:

- Querida, você não sabe o que aconteceu! – Neste momento pôde ouvir mais um grito da sua vizinha em prantos. Ele ficou meio espantado com aquilo. – Ouviu, nossa vizinha procura sua filha que parece ter desaparecido, assim como várias pessoas. – Mesmo com aquela afirmação duvidosa, não ouviu nenhuma resposta da esposa. Optou por entrar no banheiro.

As roupas estavam dobradas em cima do vaso, como ela costumava deixar quando ia tomar banho, a toalha pendurada no Box, o chuveiro ligado, mas ela não estava lá. Não estava lá! Ele não conseguiu se manter de pé e caiu no chão: Ester também havia sumido. Seu coração começou a bater forte como um prisioneiro em busca de liberdade. O que faria agora? Onde ela e os outros foram parar? Seria isso possível, pessoas aleatórias sumirem ao mesmo tempo?

Mergulhado em dúvidas, sua voz se uniu à da vizinha. Gritos horrendos de desespero saíram de sua garganta em busca da sua amada. Contudo, infelizmente não há mais nada a fazer a não ser gritar: gritar de desespero.


Deus abençoe!!


Comentários

  1. Uau! A-M-E-I
    Gostei principalmente do finalzinho: "Mergulhado em dúvidas, sua voz se uniu à da vizinha. Gritos horrendos de desespero saíram de sua garganta em busca da sua amada. Contudo, infelizmente não há mais nada a fazer a não ser gritar: gritar de desespero."
    Muito bom mesmo! Parabéns...

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  2. noooossa, muito bom !
    amei o texto, e caso não tenha falado ainda, amei o novo visual do blog, ta tudo muito bem feito, parabéns, que Deus continue te abençoando

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  3. Glória a Deus por este texto, o Senhor Jesus Cristo pode voltar a qualquer hora, nós precisamos vigiar e orar!!!!
    Muito obrigado pelos comentário sobre o visual do blog,, é a Bênção de Deus sobre nossas vidas!!!!

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