Cantando ao Rei: Capítulo III - Resolvendo conflitos


Rick e Lorena estavam na Secretaria de Cultura, sentados frente ao homenzarrão que trazia más notícias.
            - Não posso emprestar o Teatro Municipal! Ou vocês pagam o aluguel de R$ 4.500,00 ou nada.
            - Mas o senhor não é o Secretário de Cultura? – perguntou Rick.
            - Sou, e daí? Não é por causa disso que saio emprestando o Teatro pra qualquer Zé Ninguém. Imagine se essa moda pega, e qualquer Clube da Luluzinha vem pedir o Teatro, eu estou frito!
            - Mas esse valor extrapola nosso orçamento – rebateu Lorena.
            - Não posso fazer nada! A menos que...
            Então o Secretário fez uma pausa programada e continuou:
- Hm... minha mão está coçando, sabe? – o secretário coçava a mão, o silêncio pairava no ar, Rick e Lorena o encaravam – Hm... que coceira... coceira na mão – mais silêncio, mais “coceira”... eles continuavam se encarando – a minha mão está coçando, vocês ouviram?
            - Olha, eu conheço um antialérgico tiro e queda...
            - NÃO! Mas que imbecis... Liberem uma verba aí pra mim e eu vejo o que posso fazer pra ajudar vocês!
            - Espera, pagar pra você?! Isso é ilegal! – indagou Lorena.
            - Ah, mas como vocês são quadrados! Digamos que é apenas uma... contribuição assistencial.
            - Escuta aqui, a gente não vai contribuir com assistência nenhuma - Rick devolveu.
            - Então não contribuo também. Saiam daqui, eu já perdi tempo demais com vocês dois.
            Rick e Lorena foram praticamente expulsos Secretaria. Tudo parecia contribuir para que eles desistissem. Eles mal tinham passado a porta de entrada quando Rick desabafou:
            - É, acho que foi um grande erro meu mesmo. Todos tinham razão, eu não consigo fazer, eu não posso, vai dar tudo errado. Porque Deus mandou chuva esse mês, hein? Ele não podia parar o céu pra nós? Deus – ele olhou pro céu chuvoso – precisamos conversar.
            - Rick, cala a boca! Se você continuar falando isso vai ser um derrotado mesmo. A gente é aquilo que a gente pensar ser, e se você não quer ser derrotado, não se convença que é um - então ela virou-se apontou pra ele - Você vai correr atrás de buffets e salões essa tarde, enquanto eu, sua mãe e sua irmã vamos atrás dos tecidos pra costurar, você me entendeu?
            - Sim, entendi! – ele disse, meio assustado - Você tem razão, Deus me fez vencedor, e é pra glória d’Ele, então vai dar certo. Deus proverá um lugar pra nós realizarmos essa cantata!
            - Amém! – Lorena concordou - Vamos embora, então?
            - Vamos. Você quer carona?
            - Nesse fusca velho? Me desculpe, mas prefiro ir a pé na chuva.
            - Hei, não diz isso do meu carrinho. Ele é mais fiel que muito namorado por aí.
            Ela respondeu com um sorriso, acho que podemos dizer, simpático. Eles entraram no Fusca e foram. Ao passarem ao lado de uma pracinha que havia por ali, próxima da Igreja, os dois se entreolharam sem jeito, e fingiram que nada havia acontecido. Fingiram que não havia nada naquela praça.
***
- Tchau, querido, já estamos saindo – Vera se despedia do marido.
            - E as coisas com a cantata, como vão?
            - Bem, o Rick e o Pedro vão procurar um salão pra fazer, porque a igreja é pequena e – ela apontou pra fora, onde chovia forte – não dá pra fazer na praça.
            - Mas o Pedro não tinha uma prova pra estudar, ou algo assim?
- Se enganaram e colocaram a nota dele errado, você acredita nisso? Olha, eu preciso ir, não esqueça de ir ao mercado mais tarde!
            - Ah sim, não esquecerei – ele sorriu.
             Vera e Clara saíram correndo da casa e entraram no carro de Lorena, para não se molharem.
            - Bem, a senhora sabe em qual loja devemos ir, não sabe?
            - Sei sim, é só tocar pro centro.
            E elas foram. Não existiam muitas lojas de tecidos na cidade, talvez duas ou três apenas, mas dona Vera tinha todas as manhas. Conhecia as melhores vendedoras e, claro, os tecidos que seriam os ideais.
            A tarde foi agradável para Lorena, diferente de Rick e Pedro que não acharam lugar nenhum para alugarem e estavam desanimados. As mulheres, agora, esperavam na fila do caixa; foi então que Vera decidiu agradecer.
            - Lorena, obrigada por nos ajudar na Cantata. Agradeço principalmente pelo Rick, por você o apoiar. Isso é muito importante pra nós. E... bem, nunca disse nada, mas acho que hoje posso entrar nesse assunto... Perdoe as cabeçadas que meu filho deu no passado, ele era apenas um rapaz sonhador.
            - Tudo bem, dona Vera. Já se passou bastante tempo.
            - Sabe, quando ele me contou o que fez, claro que não aprovei, mas, sendo franca, achei lindo. Nem todos os homens expressam seus sentimentos tão bem assim.
            - Ah mãe, eu achei muito nada a ver – Clara se intrometeu no assunto – Acha que era pra fazer um negócio daqueles?!
            - Clarinha, não se intromete no assunto!
            - Olha dona Vera, tudo bem. Já faz tempo e, como a senhora disse, o Rick se expressa bem demais!
            - Sabe Lorena, não concordo com o que ele fez, não mesmo, mas era de coração, era sincero. Poderia ter sido uma história linda!
            - Poderia ter sido – Lorena concluiu, com o olhar ao longe. Ela, então, voltou ao passado, naquele fatídico dia. A escola cheia, o clima de fim de ano. Era a última aula do Ensino Médio e todos já buscavam uma faculdade, incluindo ela. Ao bater o sinal de despedida, ela saiu da sala no segundo andar e, pela janela, pôde perceber o aglomerado de pessoas no pátio. Ao descer as escadas viu: lá ele estava, e nas mãos...
            - Seria legal ver você e o Rick...
            - Clarinha, silêncio! -  Vera disse constrangida, e depois se dirigiu a Lorena - Olha, estamos vivas, e isso significa que ainda temos tempo de fazer algo que deixamos pra trás algum dia.
            O caixa chamou, e aquelas palavras ficaram guardadas em Lorena.
***
            Os dois chegavam cansados na casa de Rick. Eles tinham perguntado em todos os buffets e salões da cidade, que eram poucos, e nada. Uns não estavam disponíveis e outros não alugavam na véspera de Natal. Desanimados eles deitaram no sofá.
            - Mano, tô abestado! Como ninguém tem salão pra gente?!
            - Não sei, Pedro, não sei mesmo. Será que vai dar certo?
            - Claro que vai dar certo – Ludovico disse, chegando na sala – Deus está no controle de tudo, não está?
            - Sim, pai. Todos os dias oro pra que dê certo, e ponho nas mãos de Deus. Confio n’Ele e só n’Ele, mais que confio em mim – desabafou Rick.
            - Pois, então, saiba que Deus está no controle de tudo, filho. Eu estava no mercado agora à tarde e encontrei o Otávio da Igreja, ele foi um dos membros do Conselho que realmente gostou da ideia da Cantata e votou a favor. Bem, ele me perguntou como estavam as coisas e eu disse a verdade: que estavam difíceis; e ele ofereceu uma contribuição para ajudar, contribuição essa que pagaria o Teatro Municipal.
            Os olhos de Rick e de Pedro brilharam.
            - Sério pai?! – Rick perguntou.
            - Arre égua! – o amigo exclamou.
            - Sim, filho.
            Rick e Pedro já iam se abraçando quando Ludovico acrescentou:
            - Mas, você sabe filho, pra todas as coisas existem condições.
            - Condições?! – os dois disseram juntos.
- Sim, e o Otávio deu apenas uma condição pra ele financiar o valor do Teatro.

            - Então fala, pai: que condição é essa?


Deus abençoe!!

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