- Levante Lorena, você
tem visita - chamava dona Ofélia do outro lado da porta.
No quarto, Lorena estava esparramada na cama, e não sabia
quem seria que poderia visitá-la num sábado às 7h00. Ela só queria dormir.
Levantou-se e se ajeitou para, como ela sempre dizia, não parecer uma ‘monstra’.
Pegou o celular na mão: 30 chamadas perdidas, 42 mensagens, e ainda chamadas em
redes sociais. Ela não estava pensando muito bem ainda, nem notou, colocou o
celular no bolso e saiu. Cumprimentou os pais e foi direto pra porta, ela
queria despachar a visita e continuar dormindo.
Quando ela abriu a
porta, a surpresa: o rapaz, o topete, o sorriso malandro.
- RICK?! VOCÊ?!?!
- Quem mais seria? Esqueceu que preciso fala com a
senhorita, mocinha?
- Não me chame de mocinha!! – disse ela, apontando pra
ele - Espera, então foi você? Como você conseguiu meu número? - ela disse
apontando para o celular
- Não sou mais uma criança, Lorena; tenho meus meios.
- Não é uma criança?! Você tem certeza disso?
- Lorena, eu to falando sério, eu preciso da sua ajuda.
-
Ah claro, típico de vocês homens virem atrás da gente só quando precisam da
nossa ajuda.
- Olha, presta atenção: eu estou prestes a realizar uma
Cantata de Natal, e preciso que você me ajude!
- O que?!
-
Isso mesmo. Quero falar do nome de Jesus contra todo capitalismo e falsidade. Mas
eu nunca planejei nenhum evento, Lorena, e sei que você trabalha com isso; e
gosta. Eu quero que você me ajude, eu preciso. Se você não me ajudar eu não
consigo.
Ali, toda desarrumada e ainda com pijama de florzinhas
rosas, Lorena analisou a ideia em silêncio. Talvez não fosse uma proposta má, e
Rick parecia falar a verdade.
- O que eu ganho com isso? – ela perguntou.
- Minha consideração!
- Rick, a última coisa que eu quero no mundo é a sua consideração.
- Bem... você ganha experiência. A Igreja vai arcar os
custos, mas o trabalho tem que ser voluntário.
-
Hm... – ela parou e pensou um pouco – tudo bem, eu te ajudo.
- Eu sabia que você iria aceitar!
Rick sorriu, e Lorena enxergou um brilho diferente em
seus olhos. Foi como se ela voltasse no tempo, naqueles dias bons. Então ele
foi tirando um caderno e um estojo da mochila que estava em sua costa.
- O que é isso? – ela perguntou.
- É o nosso caderno de planejamento. Já tenho grandes
ideias!
- Nem vem, Rick, agora eu vou dormir. Tchau!
Ele tentou impedi-la, dizendo que o prazo estava
apertado, e até tentou segurar a porta, mas ela não deu ouvidos e fechou-a mesmo
assim. O rapaz batia na porta para que ela abrisse, e a porta realmente abriu.
- Sabia que você ia abrir – disse ele, sorrindo feito um
garoto.
- Esse não é mais um plano pra você se aproximar de mim?
É? – ela perguntou.
- O que? Você não vale tanto – ele disse, esnobe.
- Ótimo! – e fechou a porta de novo.
- Obrigado, Pai!! - ele sussurrou olhando pro alto.
***
O conselho da Igreja decidia os últimos assuntos daquela
reunião, no sábado de manhã, quando o pastor Ludovico levantou um assunto que
não estava na pauta: a Cantata de Natal. Ele apresentou a proposta, a
organização e propôs um valor para ser usado nos gastos.
- Não concordo com isso – disse o Sr. Emiliano – Gastar
dinheiro em cantatas. Não podemos fazer apenas um culto comum de Natal? É
preciso cantata?
- Bem, seria muito bom para divulgarmos o nome da Igreja
e, a cima de tudo, o nome de Jesus – disse o pastor Ludovico.
- É gastar dinheiro à toa, isso sim. Isso é ridículo,
vocês não enxergam. Não concordo e não tem minha aprovação. E outra, quem irá
organizar, seu filho?! Depois de tudo o que ele já aprontou nesta cidade é
pedir pra dar errado mesmo.
- Senhor Emiliano, não aceito que fale assim do meu
filho. Ele é muito capaz, e não digo isso apenas como pai, mas como pastor.
Tenho certeza que ele irá fazer uma ótima Cantata e não irá envergonhar o nome
da Igreja.
-
Run! De qualquer forma não concordo com este evento, e acho que todo o conselho
deveria votar contra. Os cultos de Natal são tão belos, para que mudar? Já estou
vendo que este Natal vou ter que passar em casa com a minha família.
-
Você não precisa passar o Natal isolado, basta prestigiar sua Igreja! –
respondeu o pastor.
O
clima havia ficado desconfortável no conselho quando o Sr. Otávio propôs:
-
Vamos fazer a votação?
***
- Claro que o conselho aprovou, Pedro, você pensa o que?
É um ótimo projeto, todos sabem u.u – Rick conversava com Pedro pelo celular.
- Ah, claro... sei sei...
- Preciso sair, estou na casa da Lorena. Vamos começar o
planejamento hoje! :D
- Oh, fico feliz por tu. Eu vou ficar muito bem aqui estudando
Ciências Sociais... #sqn ‘-‘
- Hahahahaha
A porta se abriu, e Lorena o “convidou” para entrar.
Agora ela estava bem melhor, sem aquele pijama, e com os cabelos escovados. Ele
amava o tom de cor dos cabelos dela.
Rick
guardou o celular no bolso, e o ouviu tocar mais duas ou três vezes,
provavelmente era Pedro, mas não conferiu. Ele estava ali com ela, e, embora
tivesse esperanças de algo diferente acontecer, como ela se declarar a ele, ele
já havia vivido momentos assim antes, e dessa vez ele estava decidido: não
daria chance a esperanças de novo; seu propósito era a festa.
Sentaram-se na mesa de jantar. Um frente ao outro, em
silêncio, sem saberem o que dizer. Rick tinha ensaiado várias falas, mas pensou
que ela nem aceitaria a proposta, e agora estava ali, frente a ela. Ele não
podia alimentar aquela esperança, mas pensava: como ele é linda, como ela é
linda, como ela é...
- Linda! – disse Lorena.
- Sim, muito linda – ele disse, ainda envolto em seus
pensamentos, quando caiu em si – Linda?!
-
Amo tulipas – disse ela, olhando para o vaso de flores em cima da mesa – é
difícil cultivar, mas é uma espécie linda.
- Ah, claro, são lindas mesmo, belíssimas – ele devolveu
sem jeito - Bem, mas viemos aqui ver do evento, né?
- É! Você tem algumas coisas já preparadas aí
- Sim... mas antes de tudo, quero te dizer algo muito
importante.
- Muito bem, pode falar – disse Lorena, não acreditando
muito na seriedade do assunto.
Rick olhou nos olhos de Lorena.
- Muito obrigado por acreditar em mim. Ninguém colocou fé
em mim: nem meus pais, nem a Clarinha, nem mesmo o Pedro, ou o pessoal do
conselho da Igreja, porque meu pai disse que eles não queriam aprovar. Mas você
foi diferente, acreditou em mim.
- Rick, eu também não quis fazer, lembra-se?
- Ah, eu sei, mas foram por motivos diferentes, nós dois
sabemos muito bem disso. Eu só queria agradecer por você acreditar em mim. Muito
obrigado!
Eles ainda olhavam nos olhos um do outro, e a mão dele
estava sobre a dela. Lorena nunca tinha visto que os olhos de Rick eram tão
belos, um castanho cor de mel. Mas, por algum motivo, não foi isso o que ela
disse.
- Rick, sua mão está em cima da minha! – ela disse meio
brava.
- Ah, desculpa – ele tirou a mão todo desajeitado.
Ah meu Deus,
Lorena, porque você disse isso? Ela pensou. Bom, talvez seja o melhor a fazer mesmo, nada de ficar alimentando
essas esperanças de novo. Enquanto ela se repreendia, Rick tirava o caderno
da mochila, com anotações, e uma lista de possíveis músicas a serem cantadas.
-Vamos lá, né? – ele propôs, sem graça.
- Sim – ela disse. Isso,
vamos fazer o que precisamos fazer, pra isso terminar logo, e você não ficar
pensando bobeiras.
Então eles começaram pensando nas canções, nas roupas que
seriam usadas pelo coral, no lugar e na data a serem realizadas a cantata.
Lorena riu, riu muito, como não ria há muito tempo, talvez desde que estudara
no Ensino Médio. Ele sempre fora uma pessoa tão engraçada e brincalhona,
totalmente oposto a ela. Decidiram praticamente tudo, sem brigas, e riram alto.
Fora uma tarde totalmente diferente daquilo que Lorena
havia imaginado que seria. Ela pensou que tudo seria conquistado com luta e
brigas e fora completamente diferente. Agora eles se despediam na porta da
frente.
- Acho que vai ficar lindo demais. Já imaginou uma
Cantata bem na praça central?! Vou
passar essas canções pra líder do coral, e minha mãe vai adorar costurar as
roupas, ela ama costura – Rick disse todo animado.
- Bem, mas ainda temos muitos detalhes a resolver –
lembrou Lorena.
Rick ia complementar com mais alguma fala quando ela
interrompeu.
- Rick, eu sei que já te perguntei, mas vou falar de
novo. Estou te ajudando, mas não quero que você imagine coisas, do tipo: eu
gosto de você. O que passou, é passado, não vamos ficar vivendo velhas
lembranças, por favor! As coisas são diferentes.
- Tá tudo bem Lorena, sério – ele disse, tentando
contornar a situação, embora aquelas palavras gelaram-lhe a alma como um balde
de gelo. Ele não poderia mentir dizendo que não gostava mais dela, então apenas
a acalmou. Ele ainda estava admirando ela quando Pedro apareceu ofegante.
- Rick, se avexe, precisamos conversar.
- De onde você surgiu, Pedro?! Que falta de educação,
estou falando com a Lorena, você não viu?? – ele disse meio bravo – Lorena,
esse é meu amigo Pedro.
Mal se cumprimentaram, Pedro foi arrastando Rick e o
levando embora. Lorena fez apenas uma observação.
- Não demorem, hein, porque eu acho que vai chover.
***
- Não pode ser! – disse Rick indignado.
- Man, lá em Ceará seria bom chover o mês todo, mas aqui
posso dizer que é má notícia. Se vocês pretendiam fazer a cantada na praça,
esquece.
- Estava tudo indo bem demais, tinha que dar algo errado!
Agora a gente precisa buscar algum lugar coberto pra fazer a Cantata. Maravilha!
- O que vocês vão fazer agora?
Deus abençoe!!
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