Rick puxava sozinho a corda que sustentaria o
letreiro “Feliz Natal”, com muito esforço ele conseguiu amarrá-la e pronto.
Parecia estar tudo preparado, ele olhou no relógio: eram 18h00. Mais trinta
minutos e as primeiras pessoas começaria a chegar, mais uma hora e a cantata
deveria estar começando. Ele estava orando em mente para que Deus conduzisse
tudo quando a porta principal do Teatro abriu, e uma figura surgiu.
- Mas quem é? – ele disse pra si mesmo. Já havia
preparado um sermão para dispensar a pessoa sem ser mal-educado, e depois
voltar aos afazeres quando, ao se aproximar, ele pôde perceber quem era.
Lorena estava deslumbrante, num vestido vermelho, cor de
Natal, uma sandália dourada que a deixava mais alta e os cabelos embolados num
coque (não estavam embolados, era o cabelo do momento, mas Rick os via
embolados). Por um momento ele ficou sem palavras, totalmente vulnerável, mas
foi voltando a si.
- Não diga nada!
- Eu? Olha, não é porque você está mais linda do que
sempre é, tão linda que eu nunca tinha visto antes, não significa que vou sair
falando. O mundo não gira ao seu redor não.
Ela sorriu
–
Eu vim te ajudar, você não vai conseguir arrumar tudo sozinho. E o que aquele
letreiro tá fazendo lá? Você consertou ele?
- Não, não consegui , fiz de tudo, e tudo parece estar
certo, mas ele não acende, não sei porquê.
- Tá, e o que ele ta fazendo lá?
- Lorena, você nunca ouviu falar de mal-contato? E se for
um e, de repente, ele resolver acender no meio da peça, sei lá? Melhor ele lá
pra todos verem do que encostado. A gente já não tem muita coisa, o que vier é
lucro... Você me ajuda ajeitar aqui o palco?
E foi assim que eles voltaram a se falar, até mesmo
porque não tinha tido uma briga de verdade. Eles ajeitavam as pastas do coral
nos seus lugares quando a porta se abriu novamente, e de lá Pedro vinha
correndo e gritando.
- Rick! Rick! Tenho uma boa-má notícia! Uma boa-má
notícia!
- O que é isso Pedro?! Explica esse negócio direito.
- Então, o Brian ta passando mal e não vem. Ele comeu
muito panetone, sei lá, não ta passando bem e não vai conseguir vir.
- Sério? Ah meu Deus, não sei se fico feliz ou triste,
ele era o que mais cantava. Quem vai ficar no lugar dele?
- Então, não sei se tu ta sabendo, mas eu tava junto com
o Vinicius nesses últimos ensaios que ele teve com o Brian, eu não canto mal,
conheço as músicas e...
- Mas você não pode!
- Oxe! Por que não?!
- É porque... Hm... É... boa pergunta viu. É por....
causa... do seu cabelo. Olha isso, gente de coral não tem cabelo assim!
- Eu to abestado! Meu próprio amigo tendo preconceito por
eu ser nordestino! Mas tu vai pagar pra Deus, viu?
- Parem vocês dois – disse Lorena – Rick, a gente só tem
o Pedro; e eu prefiro mil vezes ele do que o Brian.
- Tá vendo! Hahaha...
- Escutem, vocês vão me ajudar ou vão ficar aí discutindo
a relação?
Os dois subiram no palco e foram acertando os últimos
detalhes. Poucos minutos depois, o coral já estava chegando, quase junto
chegaram o pastor e a pastora, que havia arrumado as batas e torcia para as
medidas estarem certas. A bata que seria de Brian coube exatamente em Pedro, e
isso não foi ironia do destino, mas sim a mão de Deus mesmo.
Os bastidores estavam agitados. Uns corriam de cá e
outros de lá. Podia se ouvir alguém gritar “cadê minha pasta” de vez em quando,
ou buchichos de nervoso e ansiedade. A esse ponto faltavam quinze minutos para
tudo começar, e Camila também já havia chegado e ajudava nos preparativos, ou
tentava ajudar, ou atrapalhava... enfim.
Os pastores sentavam-se na primeira fileira, e aguardavam
com ansiedade. Ludovico virou-se e passou os olhos pelo Teatro, estava
praticamente vazio. A Igreja comparecia em poucas pessoas, ainda assim estavam
ali alguns visitantes que ouviram a propaganda na rádio e decidiram prestigiar
a primeira cantata da cidade.
O pastor ainda observava quando pôde ver chegar Emiliano
e a esposa, juntamente com seus filhos e mulheres. Emiliano sentou-se ao meio,
como que querendo não ser notado; de minuto a minuto, conforme ele via alguém
do coral passar com a bata ou notava algum detalhe antes não visto, ele
comentava com a esposa e dava pequenos risos, como de zombação. O pastor
Ludovico sentiu-se incomodado.
***
Caleb estava admirado: pela primeira vez iria entrar no “grande
prédio”. Todos os dias o ônibus da escola passava em frente daquele lugar
majestoso, e ele sempre ficava observando, querendo saber como seria. O Teatro
Municipal não era tão belo e nem tão grande, mas quando somos crianças com nove
anos de idade, tudo parece enorme e mágico. Assistir a essa apresentação seria
uma aventura simplesmente por poder entrar por aquelas portas enormes.
Ele não iria entrar, mas insistiu tanto para
que a mãe entrasse com ele que D. Letícia foi vencida pela insistência;
crianças são assim. Ele estava todo ouriçado: falava com a mãe, imaginava
história e aventuras por dentro daquelas paredes, até que Letícia pediu silêncio, que agora eles entrariam
no “grande prédio”. Seu pequeno coração disparou. Um garoto pobre poder entrar
naquele lugar tão majestoso (que de majestoso não tinha nada).
Era tudo tão grande, e tão bonito. Tinha muitos bancos lá,
ele chegou a pensar que se vivesse 120 anos não iria saber contar quantos
bancos tinha lá, eram muitos. No teto, lustres gigantes iluminavam o lugar das
pessoas sentarem e, bem na frente, tinha um palco, e um cenário todo enfeitado
nas cores vermelha, verde e dourada.
Ele foi um dos primeiros a sentar, ficou na primeira
fileira. Seus olhinhos brilhavam. Ele não sabia muito bem o que iria assistir
ali, mas, fosse o que fosse, seria lindo e especial, ele podia sentir. Estava
tão vidrado nas cores, que não percebeu quando um homenzarrão passou em sua
frente, de mãos dadas com uma mulher simpática. Ele não prestava muita atenção
nem mesmo na sua mãe, sentada ao lado, tinha olhos apenas lá: no palco.
***
-
Você me chamou, Rick?
- Sim pai, digo, pastor, nós vamos começar; o senhor ora
por nós?
O pastor concordou com a cabeça e todos se uniram, em
roda, deram as mãos, fecharam os olhos e abaixaram as cabeças.
- Senhor Deus, agradecemos a oportunidade que temos esta
noite de podermos anunciar Teu nome. Que seja uma noite especial, Pai, e que o
Espírito Santo possa gravar as mensagens nos corações. Que seja honra ao Teu
nome, Senhor; em nome de Jesus. Amém!
***
Caleb percebeu uma movimentação no palco, e logo pediu
que a mãe ficasse em silêncio (onde já se viu isso?!): pois tudo iria começar! A
mãe ainda falava para ele tirar os pés do banco, pois ele sentara feito índio,
quando as cortinas brilhantes e douradas abriram. Caleb estava fascinado por
aquela cortina; seria feita com fios de ouro? Parecia ver o brilho das estrelas
em seu reluzir.
Então, por detrás das cortinas, uma surpresa maior ainda:
havia piscas-piscas, bolinhas de Natal e uma grande árvore meio de lado; e
muitas pessoas juntas, com roupas vermelhas e verdes, e grandes sorrisos nos
rostos. Com pastas nas mãos, eles começaram a entoar uma canção bem baixinho e,
depois, foram cantando mais alto, e mais alto, e mais alto.
Os olhos do menino brilhavam. Ele não entendia de
acordes, e notas musicais, mas, se entendesse, diria que cada acorde fora
perfeitamente colocado, combinado ao arranjo que as vozes entoavam. Era lindo,
tudo parecia brilhar aos olhos da pequena criança.
Ele sempre quis poder enfeitar a casa assim, mas a pobre
mãe não tinha nada além de uma pequenina árvore de Natal. Mesmo assim, todos os
anos, ele se virava para comprar um jogo de pisca-pisca para enfeitar a frente
da humilde casa. Era o suficiente para alegrá-lo todos os anos. Mas, naquela
noite, tudo estava muito bonito, e perfeito!
Porém, de tudo o que acontecia, algo diferente chamava a
atenção de Caleb: eles cantavam de um Rei poderoso que amava tanto os pobres que
se fez como um. Seria isso verdade? Um Rei que ama os pobres, e quer vê-los
bem? Se fosse, o garoto gostaria muito de conhecer esse Rei.
E as músicas ainda continuavam. Enquanto uns cantavam, um
grupo de meninas dançava, próximas deles. E às vezes, alguém passava vestido de
anjo, mexendo com as crianças, mas tudo o que ele podia entender era de um Rei
que o amava, e ele queria conhecer o tal Rei.
Foi
uma noite especial para Caleb, até que as cortinas fecharam, levando o brilho e
a magia para trás dela, mas deixando uma mensagem gravada em seu coração. Quem
seria esse Rei?
***
As cortinas fecharam.
O coral desceu animado! Pedro tinha dado um show, e as
canções tinha ficado perfeitas, segundo a concepção de Vinicius. Todos estavam
sorrindo, incluindo as meninas da dança. O público vibrou, aplaudiu de pé,
todos os gostaram: as crianças, os jovens, os adultos e até mesmo as
senhorinhas (que de “inhas” não tinham nada).
O Teatro estava lotado. Aconteceu que a liquidação do
shopping fora cancelada de última hora e todos os que tinham ido para comprar
acabaram parando no Teatro Municipal, e foram impactado por uma mensagem
totalmente contrária.
Rick estava exausto e satisfeito, não podia acreditar que
tudo terminara bem. Quase tudo, pois o letreiro não funcionou; mesmo assim, a
cantata foi um sucesso, e o letreiro que tomasse se lascasse. Lorena se
aproximou.
- Parabéns pelo sucesso, Rick! Até mesmo o Emiliano
aplaudiu de pé!
- Glória a Deus, Lorena, foi uma grande conquista... ele
aplaudiu de pé mesmo?
Os
dois riram.
-
Muito obrigado por tudo, Lorena. Você foi importantíssima pra que a cantata
desse certo! – eles sorriram um ao outro, e novamente aquele brilho foi visto
no olhar, mas agora no olhar dos dois.
Eles
estavam encostados na parede, lado a lado, e a mão dele estava sobre a dela.
Antes que Lorena dissesse algo ele adiantou:
-
Tudo bem, já sei: minha mão está em cima da sua – ele ia tirar o braço quando
ela o segurou.
-
Acho que seria uma boa ideia estarmos de mãos dadas, juntos...
Ela
não conseguiu falar mais nada, de emoção, mas não foi preciso. Rick olhava em
seus olhos. Com corações acelerados, eles ficaram se admirando por demorados
cinco segundos, de mãos dadas.
-
Mas, dessa vez, sem pedidos inesperados de casamento – Lorena concluiu.
Ele
sorriu, aproximou-se e beijou-a na testa. Ele ainda se olhavam quando uma
pequena mão puxou a calça de Rick.
-
Moço?! Moço?! - um garotinho o chamava
Rick
abaixou-se.
-
É verdade que existe um Rei que ama os pobres? Pobres como eu e a minha mãe? É
verdade moço?
- Sim, é verdade! – Rick respondeu sorrindo.
- Quem é Ele? Cê sabe se Ele me ama? Porque eu sou muito
pobre.
-
Ele se chama Jesus Cristo, e ama muito você e também sua mãe!
-
Mesmo eu não sendo rico, sem dinheiro? Moço, sou muito pobre e esse ano não vou
ganhar nada de Natal.
-
Sim, ele te ama mesmo assim. E o maior presente que você pode ter é conhecer
esse Rei.
-
Nossa! Quero conhecer esse Rei! Será que Ele quer me conhecer?
-
Se você quiser conhecer Ele, basta orar todos os dias, no nome dEle: Jesus.
-
Vamos, Caleb, vem! – Letícia o chamava.
O
garotinho correu de volta para a mãe. Rick levantou-se e conversou com ela,
convidando-a para ir à Igreja. Ela se despediu com a promessa da visita,
puxando o pequeno Caleb pela mão, que se despedia com um aceno e enorme sorriso
no rosto. Ele voltou a Lorena a tempo de vê-la enxugar as lágrimas, dizendo:
-
Se apenas uma alma se salvar, a desse garotinho, por exemplo; vai ter valido a
pena!
***
As
cadeiras estavam vazias, e todo o salão imerso em uma solidão e quase penumbra.
Poucas luzes, e insuficientes, estavam acesas no grande saguão do Teatro
Municipal. Opalco ainda precisava ser ajeitado, mas ninguém perderia seu tempo
para ajeitá-lo em pleno 24 de dezembro.
Todos
já estavam lá fora, e Rick apenas ia fechando a porta e apagando as luzes
quando lembrou-se de ter esquecido a carteira e voltou para buscá-la. Ele a
tinha deixado em cima do palco. Subiu lá e tomou-a, então ele fitou todo aquele
lugar: as cadeiras agora vazia, as luzes meio apagadas.
Talvez
não tenha sido o maior sucesso de todos, mas os que ali estavam foram
impactados pela Presença de Deus de uma maneira tão grande que Rick não podia
imaginar. Quem deveria estar compareceu: o Rei Jesus.
Rick,
então, sentou-se no palco, ainda admirado.
-
Obrigado Jesus! Obrigado por fazer o que nenhum outro fez. Ninguém acreditou em
mim, ninguém deu crédito a minha cantata, este lugar estava vazio. Sabe, nenhum
outro me ajudaria, mas Você fez o que nenhum deles fez, em troca de nada,
simplesmente por conhecer meu coração e saber que Te amo de verdade. Obrigado,
Jesus!
-
Obrigado por vir ao mundo, deixar a glória e nascer num lugar que nenhum outro
nasceria, por causa de pessoas como eu – agora uma lágrima escorria no rosto
jovial do rapaz. Sabe, não foi por pessoas que podem tudo, que são as melhores,
mas foi por gente normal, feito eu.
-
Você sempre faz o que ninguém faria; ama os que ninguém amaria; está presente
nos lugares onde outros não estariam; o Natal é a maior prova disso. Me
desculpe por poder oferecer tão pouco, mas foi meu melhor e meu tudo. E
obrigado, Rei Jesus!
Ele
levantou-se e desceu do palco. Ele abaixou-se e (como um bom súdito faz)
reverenciou o Rei que, Rick tinha certeza, estava ali presente. Estava já
saindo quando lembrou-se que não havia desligado aquele letreiro da tomada. Ah, o letreiro que se lasque! Ele
pensou.
As
últimas luzes foram apagadas e a porta fechada. O Teatro, então, ficou todo em
escuridão, até que, de repente, uma luz acendeu, inesperadamente. A luz não era
forte o suficiente para clarear tudo, apenas as duas primeiras fileiras de bancos. Era o
letreiro que, agora acesso, dizia:
FELIZ
NATAL.
Tu tem uma maneira interessante de romancear rsrs . Gostei! Parabéns!
ResponderExcluirAMEI, sem mais
ResponderExcluirVou levar como elogio, Jaqueline, rsrs... Obrigado, glória a Deus!
ResponderExcluirAmou? *--------*