Cantando ao Rei: Capitulo I - A grande ideia


           “Deixe que a Magia do Natal inundar a sua casa com os produtos das Lojas Beijinho Doce. Cama, mesa e banho, eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos para você presentear aqueles que você ama, afinal, o Natal é pra isso, para que você...”
E Rick desligou a TV. “Como assim Natal é pra isso” ele pensou e sentou-se na cama. A janela estava aberta e um ventinho passeou por seu topete moreno enquanto ele observava o sol se pôr no horário de verão. Ele era um rapaz novo, alto e magro; e sempre com grandes perspectivas.
- O que será que Deus pensa dessa gente que só quer gastar no Natal? Se fosse eu tinha torrado todos!! Cada um!! Tá tudo errado, será que ninguém vê?! O Natal não é isso, será ninguém lembra de Jesus? Não é possível que ninguém...
- Falando sozinho, Rick – Clara, sua irmã de 12 anos, disse da porta do quarto. Rick pulou de susto.
- Ai que susto, Clara!!
- Ué, por que assustou? Tava fazendo coisa errada, né?
- Não, é só olhar pra sua cara que a gente assusta! – Clara fechou o rosto – E o que você quer, hein?
- Nada, só perguntei se você estava falando sozinho, seu chato. Se não estava falando sozinho, aposto que estava cantando!
- Ah sim, cantando pras paredes ouvirem – disse ele irônico e fechou a porta – Nossa, não posso nem falar sozinho nessa casa. Eu hein! E outra, eu cantando?! Que péssima ideia – ele disse, debochando, até que parou pra pensar e sorriu – Hm... Não tão péssima assim.

***

Dona Vera, uma mulher de seus 50 anos, cozinhava enquanto o marido, o pastor Ludovico, estava lendo o jornal sentado à mesa. Ela notou uma expressão diferente e perguntou-lhe o que era.
            - Já é 29 de novembro! O ano passou muito rápido, e já tá chegando Natal de novo. Meu Deus do céu, como os dias estão corridos!
            - Isso é verdade, Ludovico. Ah, por falar em Natal, o que você pensa em fazer esse ano na Igreja?
            - Ora, por que a pergunta? Um culto especial com as famílias, como fazemos todos os anos. Por que?
            - Ah, Ludovico, eu acho que esse ano a Igreja poderia fazer algo diferente – disse Vera meio indecisa – Todos os anos é o mesmo culto, esse ano poderíamos mudar. Só acho.
            - E eu concordo, e digo mais – disse Rick ainda descendo as escadas – concordo plenamente. Os mesmos cultos todo o ano já deu, né pai? Acho que poderíamos fazer algo diferente, inovador e grandioso - Os olhos de Rick brilharam quando ele disse “grandioso”, e seus pais sempre tinham medo desse tal brilho.
            - Muito bem – disse Ludovico – e o que vocês sugerem?
            Os olhos de Vera foram direto ao filho que, estranhamente, parecia ter uma resposta certa para dar ao pai.
            - Que tal realizarmos uma Cantata de Natal? Anunciando o nascimento de Cristo e pregando a verdade: que Natal não foi feito pra gastar. O coral da Igreja ta meio borocoxô mesmo, seria uma ideia ótima, perfeita, ideal!!!! – ele falava e gesticulava.
            - Muito bem, mas quem vai organizar o evento? – perguntou o pai.
            - Eu! – disse Rick sorridente.
            - Nem pensar – disse a mãe.
- Acho melhor não – o pai devolveu.
            - Sério? Tipo, sério mesmo?! Tipo, nenhum de vocês vai me apoiar?!
            - Rick você destruiu o carro do Prefeito ano passado, lembra? – disse dona Vera, voltando a cozinhar.
            - Mas como eu ia imaginar que a árvore ia cair bem em cima do carro dele? – respondeu inconformado – Eu estava cortando uma árvore que oferecia risco, era um bem à sociedade e nem fui agradecido!! Olha, isso não é justo! Não é verdade, Clara? – a menina estava chegando à cozinha no momento.
            - Rick, você colocou fogo no laboratório de Química da sua escola ano retrasado - respondeu a irmã, já saindo novamente da cozinha.
            - Eu não acredito nisso!! Minha própria família não me apóia!!! Isso ta errado, muito errado. Aposto que se eu falasse com o Pedro, ele me apoiaria.

***

- Acho melhor não, doido! – respondeu Pedro, ainda olhando pra tela do computador.
- O que é isso, meu?! Você deveria me apoiar!
Pedro voltou-se para o amigo.
            - Tu sempre diz isso. Me leve a mal não, mas tu quebrou a perna do professor de Educação Física no primeiro dia de aula, recorda? Isso não vai dar certo – ele disse e voltou-se ao computador.
            - Hahaha – ele riu – o Sr. Alfredo mereceu. E outra: quem mandou ele parado na frente da rampa de skate, eu não tinha visto ele ali, e... Olha, isso não importa. Você precisa me ajudar a convencer meus pais, quem sabe se você trabalhasse comigo eles deixariam. É, uma ótima ideia essa! Você vem comigo?
- Não! – disse Pedro surpreso, olhando para a tela do computador.
- Não?!
- Eu não acredito nisso! – ele ainda estava surpreso.
- Espera! Você não me ajuda ou você não acredita? Estou confuso.
- Valian Rick! Tô de exame de Ciências Sociais!
- Ah... Pedro, agora é minha hora de lamentar, não a sua.
- Mámenino é serio!! – disse ele juntando palavras, como bom cearense - É uma matéria muito difícil, eu tenho que estudar muito, muito... – então ele virou-se para Rick - Posso te ajudar não.
- Ah.... para! Estuda um dia antes e tá tudo certo.
- Rick, a faculdade não é desse jeito não, tu sabe muito bem – Pedro disse e voltou a tela do computador, até que, em certo momento, ele caiu em si e voltou-se para o amigo – eu sei de alguém que poderia te aj...
- NÃO! – ele gritou.
- Eita, doido! Eu nem disse quem era!
- Mas eu sei exatamente de quem você está falando, e para ela será eternamente não, assim como ela fez comigo - Rick disse ressentido.
- Rick, prestenção nos argumentos – Pedro levantou-se, puxou o amigo e sentou-se na cama ao lado dele – ela trabalha num Cerimonial. Perfeito!
- Puxa, quantos argumentos, me convenceu!! – ele adorava ironia - Ainda é ela, e para ela meu “não” é eterno!
- Já faz tempo, cabra. Passa em cima deste teu orgulho – Pedro levantou-se e deixou Rick sentado na cama, a considerar a ideia. Talvez não fosse uma ideia tão ruim assim. Talvez ela poderia realmente ajudar. Mas para ela meu “não” é eterno.
Ele continuava pensando.

***

            Vera aguardava sentada à mesa, com olhos e pensamentos ao longe. Ludovico não poderia passar sem perceber o rosto da esposa. Ele já tinha visto este rosto várias vezes, e sabia que era algo importante. Não precisou nem perguntar, apenas sentou-se frente a ela.
            - Será que não está na hora de darmos uma chance ao Rick? Eu sei que ele cometeu alguns... Hm, digo, muitos erros, mas todos precisam de uma chance para conseguirem acertar. Se nós não dermos essa chance, como ele vai entrar no trilho?
            - Eu sei, querida, mas será que o Rick consegue fazer isso sozinho?
            - Ele não precisa fazer tudo sozinho, nós podemos ajudá-lo, somos os pastores da Igreja e, a cima de tudo, pais dele.
            Nesse momento o rapaz entrava pela porta da sala, e parecia estar desanimado. O pai viu uma boa oportunidade para lhe falar.
            - Rick, eu e sua mãe estávamos pensando. Nós decidimos deixar você realizar esta cantata, se você tiver auxílio de mais alguém e se você se comprometer a ter responsabilidade. É o nome da Igreja que estará em jogo, além, claro, do nome de Jesus.
            Rick abriu um sorriso.
            - Oh sim, claro.... Eu sei disso, claro... Bem... Hehehe
            - Ótimo! Ficamos muito felizes em vê-lo engajado em algo assim! Os preparativos e organização, bem tudo será com você – disse Ludovico, com um sorriso no rosto – e se precisar de ajuda, pode contar conosco.
            Rick ficou muito empolgado e abraçou os pais. Era uma chance única, ele sabia disso e não poderia desperdiçá-la, mas o maior desafio ainda estava pela frente, naquela mesma noite.

***

As duas andavam juntas rumo ao estacionamento: estavam saindo do último dia de provas. Aquele semestre havia sido estressante para Lorena, tendo que estudar por si e ajudar Camila que, digamos, não era tão inteligente assim. Mas, finalmente, tudo tinha acabado, e as férias se aproximavam.
- Nossa! Tô morta de sono. Ainda bem que não tenho nada pra fazer hoje – disse Lorena animada.
            - Ah... Queria poder dizer o mesmo!
            - Você tem muita coisa pra fazer?
            - Não! – Lorena olhou desconfiada. Às vezes ela chegava a pensar como a amiga permanecia viva num mundo desses.
As garotas ainda caminhavam quando surgiu um rosto familiar.
            - Oi meninas? – era o Rick.
- Oi – foi tudo o que Lorena conseguiu dizer, e apertou o passo, deixando o rapaz pra trás.
- Nossa! Até parece que vocês querem fugir de mim!
            - Nossa! Sério?! Por que será, né? - disse Lorena sem nem mesmo olhar pra trás.
- Lorena, preciso falar com você, é serio. Você não vai parar pra me ouvir?
            Lorena virou-se e respondeu:
            - Não! Sabe, Rick, eu tenho muitas coisas pra fazer, estou atrasada.
            - Mas você tinha dito que ia fazer nada?!
            - Camila, silêncio! – ela voltou-se ao rapaz - tchau Rick!!
            - Mas... É sério... Só um minutinho...
            Lorena e a amiga entraram no carro e deixaram o rapaz ali, plantado no meio da rua. Rick acompanhou o carro subir a rua com o olhar, e disse pra si mesmo, determinado:

            - Ah... Mas você vai ver só!!

Capítulo II: Mãos na massa!

Deus abençoe!! 

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