O Holocausto


Por entre as sombras dos escombros dos prédios e construções destroçados, um caminhão vagava sorrateiro, feito um rato que, entre migalhas, busca o seu alimento. O dia ainda estava por amanhecer, e o céu mostrava aquele azul indefinido entre manhã e noite, o que era ideal pra que a grande carreta vagasse apenas com a lanterna acionada, e as luzes de dentro apagadas, de maneira que não se via quem estava dirigindo.
Cuidadosamente o caminhão trafegava tentando ser o mais sorrateiro possível. Ao lado, as cicatrizes da guerra sem fim: escombros e destroços de prédios que esbanjaram, um dia, luxo e esplendor. Vagando pela rua, o caminhão fez uma conversão a direita e entrou num beco que parecia sem saída. Passou por diversos prédios caídos até que a rua declina-se, e então entrou na esquerda.
À frente da viela, um edifício tombado era segurado por outro que ainda estava insistentemente em pé, um dos poucos. O caminhão passou por debaixo do prédio tombado e, logo ao sair da sombra, já pode ver o céu mais azul. O dia estava pra amanhecer.
A carreta passou por mais alguns quarteirões ignorados e entrou à esquerda. Ao avistar uma viatura, ele freou levemente, até ir parando bem devagar debaixo da sombra de um escombro. O motor permanecia ligado, e as lanternas apagadas. O caminhão esperou alguns minutos à sombra, feito um fantasma.
- O que ele está fazendo? – Dalton perguntou.
- Não sei – outro respondeu, tomando o rádio nas mãos – QAP base.
- QAP – o rádio respondeu.
- Acho que encontramos o QRU que vocês passaram. Se trata de uma carreta toda preta?
- Positivo. Qual seu QTH?
O caminhão acelerou e saiu em disparada, entrando por um beco, e desapareceu nas sombras do mesmo jeito que apareceu. A viatura saiu em perseguição, derrapou duas ruas e entrou à toda a velocidade pelo mesmo beco que o caminhão entrara minutos antes.
- Como a gente vai achar eles agora?
- Cala a boca Dalton, só segue reto.
A viatura passou duas ruas, entrou num beco à esquerda e depois de mais três quarteirões de destroços, entrou à esquerda novamente. Dalton dirigia nervoso, enquanto o outro passava as informações pelo rádio.
- Olha lá, olha.
Entre os destroços das construções, dava pra se ver o caminhão indo na mesma direção na via paralela.
- À direita, agora – Gilson gritou.
A viatura fez uma conversão brutal à direita e entrou num buraco entre paredes à cair. Mais à frente dava pra ser a rua. A viatura desviou de uma coluna que permanecia em pé , e a frente havia uma parede  de concreto. Dalton virou com tudo à direita e depois à esquerda novamente, dando pra uma parede de vidros e, atrás à rua.
A viatura surgiu na rua por entre os destroços, logo atrás do caminhão. A carreta acelerou novamente e entrou à esquerda, depois à esquerda novamente, e à direita. A viatura seguia com tudo atrás, derrapando e acelerando.
- Não vão mandar reforços?! O que vamos fazer se conseguirmos abordar os caras? Vamos render eles?
- Cala a boca e dirige, Dalton.
- QAP 09 – o rádio chamou.
- QAP.
- Aqui é o comandante Otavian. Você tem a permissão de abater o caminhão. Não nos interessa a carga, queremos os passageiros e o motorista. Façam o necessário. QSL?
Dalton e Gilson se entreolharam, temerosos.
- QSL.
- O que o comandante Otavian faz por aqui?! Estamos ferrados, Gil. Se não conseguirmos pegar esses cara, vamos morrer.
Gilson saiu à meio corpo pra fora da viatura, sacou a arma e mirou. Foram três tiros necessários pra furar os dois pneus de trás da carreta. O caminhão, que estava à alta velocidade, vacilou por trás e perdeu o controle. A carroceria, que parecia estar cheia, tombou e levou a carreta toda a tombar. O caminhão capotou duas vezes e parou.
...
O sol brilhava forte por entre a única janela da sala, e a sua visão ficava ainda mais turva. Quantos guardas havia na sala? Dois ou quatro. Era difícil de discernir. Um machucado sangrava por cima dos olhos e complicava ainda mais a situação. As mãos e os pés amarrados. À frente uma mesa de metal e outra cadeira disposta.
- Tá acordando? - Um guarda disse, se aproximando e dando um  soco na cara.
- Chega!
Uma porta de ferro rangeu, e passos duros desceram uma escada à frente do rapaz. Um homem todo de preto sentou-se na cadeira à frente.
- Me desculpe, rapaz, se algum subordinado te encheu – ele disse, observando o rapaz – hm... este ferimento na sua cabeça parece um pouco grave. Bom, mas não importa, se você for cooperativo, logo estará medicado – o homem sorria.
- Quem é você?
- Não... não... não... aqui, eu quem faço as perguntas. E, na verdade, pouco importa quem eu sou. Importa mais quem é você. E de onde vem. E onde pode nos levar – o homem falava com ironia – você não precisa estar preso feito um cachorro, Augusto. Basta nos ajudar com algumas informações.
- Como sabe meu nome.
- Sei bastante coisa sobre você, você nem imagina. Mas o que mais importa agora é que há alguns anos você decidiu se rebelar e se unir aos Renegados - o homem o observava, como se o venerasse – não sei porque jovens são atraídos à rebelião, Augusto, mas o futuro de quem vive à margem da lei é sempre ser preso. Olhe onde estamos. Só que eu vejo bastante potencial em você, rapaz. Você não precisa disso. Não precisa viver pra roubar caminhões com comida. Não precisa viver fugido. Pra que isso, Augusto?! Há espaço pra você deste lado da mesa.
- Do lado errado?
O homem riu.
- Rapaz, lembre-se que quem está preso por roubo aqui é você. E eu estou disposto a ser complacente com você, caso você me ajude.
- O que você quer? – Augusto sentia o coração bater mais forte.
- Aí você fez a pergunta certa – o homem posicionou-se melhor na cadeira, e fixou os olhos nos olhos cansados de Augusto – onde vocês se reúnem?
- Nunca direi, nem que você me mate.
- Eu estou disposto a isso. Não desperdice meu tempo, Augusto, e me diga logo: onde os Renegados se reúnem?
Augusto cuspiu na cara do homem. Num acesso de raiva, o homem levantou-se e sacou a arma, apontando pra cara do rapaz.
- Você acha que eu não tenho coragem?! Você acha que não consigo? – ele gritou – já matei centenas, Augusto, seu sangue na minha mão não me causa incômodo. Onde vocês se reúnem? Diga!
- Não direi!! – Augusto gritava – Você jamais vai tirar a informação de mim!
O homem sentou-se novamente, e o encarou.
- Se você não me disser, o seu parceiro dirá. Ele está outra sala, me esperando.
O sorriso malicioso do homem de preto sumiu ao ver um sorriso tímido surgir no rosto de Augusto.
- Ele? Se você tivesse capturado mesmo meu parceiro, saberia que era uma garota.
O homem de preto levantou-se, deu a volta na mesa, puxou Augusto pela cabeça e sussurrou em seu ouvido:
- Conte-me, Augusto. Você não tem nada a perder. Se você me disser onde os Renegados se reúnem, prometo-lhe que você terá um ótimo tratamento. O que eles fizeram por você? Onde eles estão agora, que você está preso. Estão escondidos, medrosos. Conte-me, Augusto, e eu já solto suas amarras e te liberto.
Augusto olhou fundo nos olhos do homem e disse:
- Nem que me mate.
- Não queria que fosse assim – o home disse, sacando a arma e atirando na cabeça de Augusto, e caiu da cadeira com o impacto do tiro.
Otavian limpou a arma e subiu as escadas novamente. Do lado de fora, dois guardas o esperavam.
- Senhor, fizemos varredura na área, mas não encontramos o acompanhante do rapaz.
Otavian olhou para o horizonte: quilômetros e quilômetros de ruínas, então disse:
- Cessem a operação, vamos embora. Deixe que a notícia da prisão do rapaz chegue aos Renegados. Deixe que eles se consumam pela dúvida de saber se ele está vivo ou morto.
“Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor.” Mateus 24:42
Abraços, Deus abençoe você!!

Denian Martins

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