Rick
andava de um lado para o outro no quarto, impaciente. Dona Vera abriu a porta,
com uma pilha de roupas dobradas na mão, e quase trombou com o filho.
-
Cuidado, Rick. Quase que você derruba tudo. Olha, se amassasse essas roupas, eu
ia fazer você passar tudo de novo! – Rick pareceu não ouvir, continuou de um
lado para o outro – Que foi, filho? Tá tudo bem??
-
Ah, mãe, é esse DIP. Eu tô tentanto ter alguma ideia, sabe? Tipo, não quero
fazer mais uma cantata, vamos ter uma agora, mas também não quero que seja um
domingo como qualquer outro. Mas, mãe, não consigo ter nenhuma ideia!
Nenhuminha!!! Tô orando feito um desesperado procurando uma luz, mas até agora
Deus continua mudo! Não sei o que fazer mais!
Dona
Vera permaneceu calada, como se não tivesse ouvido nada na verdade, ela
preferia não ter ouvido mesmo e foi guardar as roupas.
-
Oi?! Só isso?? Poxa, eu venho aqui, abro meu coração e a resposta é o silêncio?
-
Ai, Rick, você sabe o que eu acho dessa ideia maluca de “DIP”, né? Não precisa
disso, vamos fazer só um culto, oramos pela Igreja perseguida, podemos até
levantar uma oferta e tá ótimo!
-
Mãe! – Rick disse, indignado – eu pedi você me ajudar, e não pra piorar a
situação.
Rick
saiu do quarto ainda indignado e foi pro quarto dos pais.
-
Pai, preciso falar contigo... – ele já foi entrando, até ver Ludovico sentado
na cama com uma caixa na mão – o que é isso?
Era
uma caixa antiga, dessas de presentes, e estava cheia das mais diversas coisas:
desenhos antigos que Rick ou Clarinha haviam feito aos pais, cartões de
aniversários e datas comemorativas e essas coisas que os pais da gente guardam
em algum lugar [vai por mim, todo pai guarda isso].
-
Eu estava procurando um documento que estava guardado aqui.
-
Nossa! – Rick exclamou – quanta coisa antiga! Olha, isso eu fiz na segunda
série – ele disse com um cartão na mão – e esse guardanapo a Clarinha pintou
com dois anos... gente!! Achei que vocês tivessem jogado essas coisas fora!
Rick
revirava a caixa com o pai, até achar um papel antigo e [obviamente] amarelado.
-
Esse é o cartaz do dia em que eu conhecia sua mãe – Ludovico pegou o papel das
mãos do filho – era um festival de música que aconteceu na Igreja dela, e eu
fui assistir uns amigos tocarem... Puxa, quanto tempo!
-
Você conheceu a mãe num festival de música?! Que demais!
-
Sim... bem, no começo foi apenas um “oi”. Fomos começar a conversar mesmo
depois de um ano, só depois começamos a namorar e, bom, acho que você já sabe onde
essa história foi parar.
-
Você nunca tinha contado essa história pra mim, pai, e nem pra Clarinha.
-
Sabe, Rick, às vezes a gente esquece como tudo começa, porque importa mais como
as coisas vão terminar do que como elas começam – Rick fez uma cara de “como
assim?” – não importa muito como eu e sua mãe nos conhecemos, se foi super
romântico ou não; o que importa mais é que estamos juntos até hoje, mesmo tendo
enfrentado diversas dificuldades.
-
Casamento, Rick, está longe de ser esse mar de rosas que os filmes de romance
pintam na TV, mas tudo o que é bom tem um preço a ser pago. Quando a gente pesa
na balança, vê que vale a pena. Temos dois filhos lindos e uma história de
superação de dificuldades. O que poderia ser melhor?
Por
alguns segundos, pai e filho ficaram sentados lado a lado, em silêncio. E nem
era preciso dizer mais nada.
-
Você tinha vindo aqui perguntar alguma coisa, Rick?
Rick
observava o papel amarelado.
-
Não, pai, você já me disse tudo o que eu precisava ouvir.
***
Lorena,
Camila e Pedro esperavam, impacientes, na sala de reuniões, mas nenhum sinal do
Rick. Lá fora, os pedreiros iam à todo vapor nas reformas, o que fazia muito
barulho e deixava o trio mais nervoso ainda.
-
Arre égua, Rick chega mais não? Olhe que eu pego o beco e nem quero saber... e
esses homi aí? Tem que fazer esse estardalhaço todo?? – Pedro ficava mais
engraçado quando ficava nervoso.
-
Calma, Pedro, já já ele chega aqui, não fique tão nervoso.
-
Camila, tu disse isso faz trinta minutos e até agora ele não chegou.
-
Vou tentar ligar pra ele de novo – Lorena disse, Pedro apoiou.
A
moça pegou o celular na mão, quando a porta abriu-se. Pedro preparou as
reclamações, Lorena o sermão, e Camila ia falar “eu avisei” até a porta
fechar-se e eles verem realmente quem tinha chegado.
-
Valian! O que tu tá fazendo aqui??
-
Ah tá, bonito, você se reúnem pra falar do Domingo da Igreja Perseguida, e eu
fico em casa, olhando pras paredes? Não mesmo! – Flavinha já foi colocando
cadernos e pastas em cima da mesa.
-
Eu ainda acho que já já ele chega!
Lorena
tentava ignorar tudo aquilo, embora o sangue já estivesse subindo à cabeça.
Mais uma vez ela tentava ligar pro namorado, e nada dele atender.
-
Então, gente, já estou com ótimas ideias – Flavinha falava, na ponta da mesa –
eu estava pensando em, tipo assim, a gente começar como um culto comum, sabe?
Mas depois a gente pode introduzir uns tetros pro meio, umas leituras de
poesias e tals... – Flavinha percebeu que ninguém prestava atenção nela – Gente?
Alô?!
-
Bichinha, não tô afim de arengar, então fique na tua!
-
Escuta aqui, colega...
E
começou aquela falação de novo, Pedro discutia com Flavinha, Flavinha com
Pedro, Lorena “tentava” cala-los falando mais ainda e nenhum dos três atendia
ao pedido de Camila que, em pé na cadeira, gritava: acalmem-se!! Acalmem-se!!
Rick
chegou a tempo de ninguém se matar e da briga não ficar pior.
-
Ué, mas o que tá acontecendo aqui? - todos foram pra cima do rapaz - Calma,
calma meu povo, eita!!! Não precisam ficar assim não.
-
Como não, Rick! Você deixa a gente esperando aqui feito palhaços...
-
Calma, amor – Rick disse, dando um beijo no rosto da namorada, isso a irritava ainda
mais – tava resolvendo uns negócios aí, mas já deu tudo certo... O que você tá
fazendo aqui? – ele perguntou pra Flavinha – enfim. Vamos começar?
-
Vamos! – Flavinha exultou – já tô com ótimas ideias. Tipo, a gente podia
começar...
-
Ih, minha filha, sai fora, quem fala aqui sou eu – Rick interrompeu o
entusiasmo da garota – Pois bem, para o Domingo da Igreja Perseguida faremos um
– ele esperou para dar um efeito maior, e concluiu - festival de música!
-
O QUE?! – Todos disseram. Antes que alguém pudesse esboçar alguma reação,
Flavinha já embalou.
-
Mas que grande ideia! AI!!! Adorei! Amei!! É top!! Olha, já até sei...
-
Arre égua – Pedro não se aguentou – fique em silêncio, pelamordi Deus!
-
Ai, bonito, me deixa...
-
Esses dois brigam feito um casal – Camila pensou alto.
-
O QUE?? – Flavinha e Pedro avançaram pra cima de Camila. “Tu endoideceu” Pedro
falava, “hahah nem morta, bonita, nem
morta” a outra retrucava. No meio de toda a falação, Rick perguntava pra
namorada:
-
Você acha que o Conselho não vai aprovar por causa dos gastos e da reforma?
-
Não – Lorena disse, e o seu rosto pareceu iluminar – acho que eles vão aceitar
sim. Rick, não se tem custos num evento desses, porque na Igreja a gente tem
todo o som que vamos precisar, palco e auditorio. Que gastos vamos ter?!
Nenhum!
-
Que bom – Rick animou-se – então você acho que vai dar certo?
-
Sim, meu amor, com certeza. Você acertou em cheio dessa vez!
O
casal selou o momento com um selinho pá tum diz que foi suficiente pra
que os outros três parassem de discutir e fizessem aquele “hmmm” clássico.
A
tarde toda a trupe gastou pra acertar os detalhes mais pequenos, como se
haveria algum tipo de decoração, como seria feita a divulgação e coisas do tipo
[acho que são coisas assim que se decidem nesses planejamentos, né?], e Lorena
ficou de esquematizar tudo pra ser entregue ao conselho, que iria analisar.
Todos
já estavam de saída, quando Pedro vira Rick atrapalhado do jeito que era
deixando um bilhete escapar do bolso. Rick e Lorena sumiram na motinha nova que
Lorena havia comprado, Camila fora embora com o namorado e Flavinha desapareceu
do mesmo jeito que chegou. Pedro tomou o pequeno papel na mão. Primeiro pensou
em ler, depois em jogar fora.
“Ah,
depois eu devolvo a Rick” pensou o rapaz, que guardou o bilhetinho no bolso da
calça e subiu a rua a pé.
***
-
Rick? Rick? – Ludovico procurava o filho pela casa.
-
Ele tá lá em cima, no quarto dele pai – Clarinha disse.
O
pastor subiu as escadas pisando firme, com o rosto preocupado, abriu a porta do
quarto do filho sem bater. Rick usava o notebook quando o pai chegou e, pela
cara, ele já sabia que não vinha notícia boa.
-
Rick, não vai ter jeito dessa vez, o conselho não quis aprovar o festival. Fiz
de tudo. Me desculpe.
***
-
PEDRO! Da próxima vez que me der uma calça pra lavar, reviste os bolsos,
visse?! – Dona Ana brava deixava duas moedas e um papel amassado na mão do
filho.
Pedro
pareceu nem ouvir. Olhou as moedas [eram o troco de um dia que ele comprou um
lanche na rua] e o papel. Aquele papel? “Ah, é o bilhete de Rick” ele pensou,
mas no momento em que o abriu e leu, quase caiu da cadeira. Pela cara que Pedro
fez, era algo muito mais sério que uma anotação qualquer.
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