Festival do Céu: Capítulo II - Primeiras decisões



Rick andava de um lado para o outro no quarto, impaciente. Dona Vera abriu a porta, com uma pilha de roupas dobradas na mão, e quase trombou com o filho.
- Cuidado, Rick. Quase que você derruba tudo. Olha, se amassasse essas roupas, eu ia fazer você passar tudo de novo! – Rick pareceu não ouvir, continuou de um lado para o outro – Que foi, filho? Tá tudo bem??
- Ah, mãe, é esse DIP. Eu tô tentanto ter alguma ideia, sabe? Tipo, não quero fazer mais uma cantata, vamos ter uma agora, mas também não quero que seja um domingo como qualquer outro. Mas, mãe, não consigo ter nenhuma ideia! Nenhuminha!!! Tô orando feito um desesperado procurando uma luz, mas até agora Deus continua mudo! Não sei o que fazer mais!
Dona Vera permaneceu calada, como se não tivesse ouvido nada na verdade, ela preferia não ter ouvido mesmo e foi guardar as roupas.
- Oi?! Só isso?? Poxa, eu venho aqui, abro meu coração e a resposta é o silêncio?
- Ai, Rick, você sabe o que eu acho dessa ideia maluca de “DIP”, né? Não precisa disso, vamos fazer só um culto, oramos pela Igreja perseguida, podemos até levantar uma oferta e tá ótimo!
- Mãe! – Rick disse, indignado – eu pedi você me ajudar, e não pra piorar a situação.
Rick saiu do quarto ainda indignado e foi pro quarto dos pais.
- Pai, preciso falar contigo... – ele já foi entrando, até ver Ludovico sentado na cama com uma caixa na mão – o que é isso?
Era uma caixa antiga, dessas de presentes, e estava cheia das mais diversas coisas: desenhos antigos que Rick ou Clarinha haviam feito aos pais, cartões de aniversários e datas comemorativas e essas coisas que os pais da gente guardam em algum lugar [vai por mim, todo pai guarda isso].
- Eu estava procurando um documento que estava guardado aqui.
- Nossa! – Rick exclamou – quanta coisa antiga! Olha, isso eu fiz na segunda série – ele disse com um cartão na mão – e esse guardanapo a Clarinha pintou com dois anos... gente!! Achei que vocês tivessem jogado essas coisas fora!
Rick revirava a caixa com o pai, até achar um papel antigo e [obviamente] amarelado.
- Esse é o cartaz do dia em que eu conhecia sua mãe – Ludovico pegou o papel das mãos do filho – era um festival de música que aconteceu na Igreja dela, e eu fui assistir uns amigos tocarem... Puxa, quanto tempo!
- Você conheceu a mãe num festival de música?! Que demais!
- Sim... bem, no começo foi apenas um “oi”. Fomos começar a conversar mesmo depois de um ano, só depois começamos a namorar e, bom, acho que você já sabe onde essa história foi parar.
- Você nunca tinha contado essa história pra mim, pai, e nem pra Clarinha.
- Sabe, Rick, às vezes a gente esquece como tudo começa, porque importa mais como as coisas vão terminar do que como elas começam – Rick fez uma cara de “como assim?” – não importa muito como eu e sua mãe nos conhecemos, se foi super romântico ou não; o que importa mais é que estamos juntos até hoje, mesmo tendo enfrentado diversas dificuldades.
- Casamento, Rick, está longe de ser esse mar de rosas que os filmes de romance pintam na TV, mas tudo o que é bom tem um preço a ser pago. Quando a gente pesa na balança, vê que vale a pena. Temos dois filhos lindos e uma história de superação de dificuldades. O que poderia ser melhor?
Por alguns segundos, pai e filho ficaram sentados lado a lado, em silêncio. E nem era preciso dizer mais nada.
- Você tinha vindo aqui perguntar alguma coisa, Rick?
Rick observava o papel amarelado.
- Não, pai, você já me disse tudo o que eu precisava ouvir.
***
Lorena, Camila e Pedro esperavam, impacientes, na sala de reuniões, mas nenhum sinal do Rick. Lá fora, os pedreiros iam à todo vapor nas reformas, o que fazia muito barulho e deixava o trio mais nervoso ainda.
- Arre égua, Rick chega mais não? Olhe que eu pego o beco e nem quero saber... e esses homi aí? Tem que fazer esse estardalhaço todo?? – Pedro ficava mais engraçado quando ficava nervoso.
- Calma, Pedro, já já ele chega aqui, não fique tão nervoso.
- Camila, tu disse isso faz trinta minutos e até agora ele não chegou.
- Vou tentar ligar pra ele de novo – Lorena disse, Pedro apoiou.
A moça pegou o celular na mão, quando a porta abriu-se. Pedro preparou as reclamações, Lorena o sermão, e Camila ia falar “eu avisei” até a porta fechar-se e eles verem realmente quem tinha chegado.
- Valian! O que tu tá fazendo aqui??
- Ah tá, bonito, você se reúnem pra falar do Domingo da Igreja Perseguida, e eu fico em casa, olhando pras paredes? Não mesmo! – Flavinha já foi colocando cadernos e pastas em cima da mesa.
- Eu ainda acho que já já ele chega!
Lorena tentava ignorar tudo aquilo, embora o sangue já estivesse subindo à cabeça. Mais uma vez ela tentava ligar pro namorado, e nada dele atender.
- Então, gente, já estou com ótimas ideias – Flavinha falava, na ponta da mesa – eu estava pensando em, tipo assim, a gente começar como um culto comum, sabe? Mas depois a gente pode introduzir uns tetros pro meio, umas leituras de poesias e tals... – Flavinha percebeu que ninguém prestava atenção nela – Gente? Alô?!
- Bichinha, não tô afim de arengar, então fique na tua!
- Escuta aqui, colega...
E começou aquela falação de novo, Pedro discutia com Flavinha, Flavinha com Pedro, Lorena “tentava” cala-los falando mais ainda e nenhum dos três atendia ao pedido de Camila que, em pé na cadeira, gritava: acalmem-se!! Acalmem-se!!
Rick chegou a tempo de ninguém se matar e da briga não ficar pior.
- Ué, mas o que tá acontecendo aqui? - todos foram pra cima do rapaz - Calma, calma meu povo, eita!!! Não precisam ficar assim não.
- Como não, Rick! Você deixa a gente esperando aqui feito palhaços...
- Calma, amor – Rick disse, dando um beijo no rosto da namorada, isso a irritava ainda mais – tava resolvendo uns negócios aí, mas já deu tudo certo... O que você tá fazendo aqui? – ele perguntou pra Flavinha – enfim. Vamos começar?
- Vamos! – Flavinha exultou – já tô com ótimas ideias. Tipo, a gente podia começar...
- Ih, minha filha, sai fora, quem fala aqui sou eu – Rick interrompeu o entusiasmo da garota – Pois bem, para o Domingo da Igreja Perseguida faremos um – ele esperou para dar um efeito maior, e concluiu - festival de música!
- O QUE?! – Todos disseram. Antes que alguém pudesse esboçar alguma reação, Flavinha já embalou.
- Mas que grande ideia! AI!!! Adorei! Amei!! É top!! Olha, já até sei...
- Arre égua – Pedro não se aguentou – fique em silêncio, pelamordi Deus!
- Ai, bonito, me deixa...
- Esses dois brigam feito um casal – Camila pensou alto.
- O QUE?? – Flavinha e Pedro avançaram pra cima de Camila. “Tu endoideceu” Pedro falava, “hahah  nem morta, bonita, nem morta” a outra retrucava. No meio de toda a falação, Rick perguntava pra namorada:
- Você acha que o Conselho não vai aprovar por causa dos gastos e da reforma?
- Não – Lorena disse, e o seu rosto pareceu iluminar – acho que eles vão aceitar sim. Rick, não se tem custos num evento desses, porque na Igreja a gente tem todo o som que vamos precisar, palco e auditorio. Que gastos vamos ter?! Nenhum!
- Que bom – Rick animou-se – então você acho que vai dar certo?
- Sim, meu amor, com certeza. Você acertou em cheio dessa vez!
O casal selou o momento com um selinho pá tum diz que foi suficiente pra que os outros três parassem de discutir e fizessem aquele “hmmm” clássico.
A tarde toda a trupe gastou pra acertar os detalhes mais pequenos, como se haveria algum tipo de decoração, como seria feita a divulgação e coisas do tipo [acho que são coisas assim que se decidem nesses planejamentos, né?], e Lorena ficou de esquematizar tudo pra ser entregue ao conselho, que iria analisar.
Todos já estavam de saída, quando Pedro vira Rick atrapalhado do jeito que era deixando um bilhete escapar do bolso. Rick e Lorena sumiram na motinha nova que Lorena havia comprado, Camila fora embora com o namorado e Flavinha desapareceu do mesmo jeito que chegou. Pedro tomou o pequeno papel na mão. Primeiro pensou em ler, depois em jogar fora.
“Ah, depois eu devolvo a Rick” pensou o rapaz, que guardou o bilhetinho no bolso da calça e subiu a rua a pé.

***
- Rick? Rick? – Ludovico procurava o filho pela casa.
- Ele tá lá em cima, no quarto dele pai – Clarinha disse.
O pastor subiu as escadas pisando firme, com o rosto preocupado, abriu a porta do quarto do filho sem bater. Rick usava o notebook quando o pai chegou e, pela cara, ele já sabia que não vinha notícia boa.
- Rick, não vai ter jeito dessa vez, o conselho não quis aprovar o festival. Fiz de tudo. Me desculpe.
***
- PEDRO! Da próxima vez que me der uma calça pra lavar, reviste os bolsos, visse?! – Dona Ana brava deixava duas moedas e um papel amassado na mão do filho.

Pedro pareceu nem ouvir. Olhou as moedas [eram o troco de um dia que ele comprou um lanche na rua] e o papel. Aquele papel? “Ah, é o bilhete de Rick” ele pensou, mas no momento em que o abriu e leu, quase caiu da cadeira. Pela cara que Pedro fez, era algo muito mais sério que uma anotação qualquer.

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