Festival do Céu: Capítulo III - Coisas estranhas demais


Sentados na mesa, o conselho estava determinado: não permitiria mais uma atividade na Igreja. O destino do Festival de Música nas mãos daqueles homens sempre tão compassivos, mas que agiam, pra Rick e Lorena, como carrascos, enquanto os dois a frente de todos e ao lado do pastor, tentavam gerar algum impacto que mudasse aqueles cabeças duras [Rick quem disse, não eu].
- Rick, não vamos conseguir... você sabe o que aconteceu – falava Antônio, membro do conselho, referindo-se à queima dos equipamentos de som. Aconteceu que esqueceram algumas caixas de som ligadas na tomada e, numa daquelas tardes de trovoadas, um raio fez pifar tudo, um dia depois da cantata de páscoa – como a Igreja vai conseguir realizar um festival assim?
- Seu Antônio, nós sabemos, mas não podemos ignorar a Igreja Perseguida, são milhões de pessoas perseguidas no mundo todo cujo único crime que cometeram foi se reunir num dia assim como estamos agora – Lorena então se posicionou em pé à frente de todos, voltando-se aos slides que havia preparado, Rick levantou-se também - Hoje em dia, pleno século 21, cerca de 100 MILHÕES de cristãos enfrentam hostilidade e perseguição pelo simples fato de seguir a Cristo; desde desemprego, exclusão da sociedade, expulsão do círculo familiar a interrogatórios, aprisionamentos, torturas e até mesmo morte. Como vocês conseguem ignorar isso?
- Lorena, por favor, não complique pro nosso lado, não é má vontade... oh puxa!
- Ah pai, tem certeza que precisamos da aprovação do Conselho?!
- Rick, você sabe que quando o assunto é financeiro, ainda mais com valores altos, não posso tomar nenhuma atitude sem a aprovação do Conselho.
- Olha – Otávio tentava acalmar a situação – se pudéssemos, Rick, com muita alegria faríamos o festival, mas estamos realmente comprometidos com a reforma do templo, e a troca dos equipamentos de som será muito cara!
- De quanto dinheiro estamos falando? – Lorena indagou.
- Bom – pastor Ludovico tomou a palavra – pelo que nós vemos, poderíamos comprar umas coisas básicas, que já ajudaria pro louvor da Igreja e não passaria de 800 reais, mas no caso da realização de um festival de música, o ideal seria que gastássemos algo em torno de 3 mil e duzentos reais pra acertarmos toda a parte do som.
- O QUE? – Rick e Lorena disseram. Embora ninguém do Conselho tivesse se expressado, todos estavam de igual modo abismados.
- E não tem como meio que emprestar esse valor da reforma?
- E deixarmos a sala das crianças sem reboco?
Rick desanimou, sentou-se novamente com a mão apoiada na mesa e a cabeça apoiada na mão.
- Então não há nada a fazer?
- Arrecadar esse dinheiro – Antônio disse.
- Podemos fazer isso? – Lorena insistiu.
– O que? Como arrecadar uma quantia dessas? Ainda mais em tempos de crise como essa... Isso é loucura!
Rick levantou a cabeça e olhou para cada homem do conselho, então voltou-se para o pai.
- E não é isso o que vocês pedem de nós? – todos ficaram em silêncio, Rick deu uma pausa e continuou – vocês falam que temos que ser loucos por Jesus, mas não deixam a gente fazer as loucuras quando é preciso. Pois bem – ele levantou-se – vamos dar um jeito de arrecadar esse dinheiro. Eu vou dar um jeito. Nem que for pra pedir de casa em casa, mas vamos dar um jeito. E vamos comprar os equipamentos de som!
Lorena sentia orgulho do namorado que tinha, e pastor Ludovico do filho que tinha criado. Ele colocou a mão no ombro de Rick, e disse:
- Alguém tem algo a dizer contra?
***
- Não acredito nisso!!
- Pois é Flavinha, o Conselho não queria de jeito algum aprovar o festival. Só a gente assumindo esse compromisso pra eles aceitarem.
- Ai, Lorena, sabe, eu não entendo! Como esses homens, que são de Deus, ou dizem ser, não querem aprovar um projeto tão lindo como esse, de apoio a cristãos perseguidos?! Ai, a dureza do coração do ser humano me espanta! Pelo amor de Deus!
Flavinha tinha liberdade pra falar assim mesmo estando na Igreja, porque a reunião já havia acabado, e só tinham sobrado ela e o casal de amigos ali. Até mesmo o pastor já tinha ido embora.
- Não é bem assim, Flavinha – Rick interviu - eu até entendo os motivos deles: não é uma fase boa pra Igreja, financeiramente falando, com a reforma e essa crise. Mas tenho certeza que Deus honrará a nossa fé e nos ajudará nesse desafio!
- Amém! – as duas disseram em coro.
- Bom, agora precisamos marcar um dia pra gente sentar e ver como vamos fazer essa arrecadação.
- Eu sugiro sexta-feira à noite – Flavinha propôs, mas Rick pareceu não receber com tanta alegria a data!
- Sexta?! Ah, eu não posso, tenho um compromisso aí...
- Que compromisso? – Lorena indagou.
- Ah.... eu vou jogar bola.
- Rick, você odeia jogar bola!
- Sim, mas vou porque tô tentando trazer um amigo aí pra Igreja, tipo, tô tentanto evangelizar ele.
- Ah é? Que amigo?
- Nossa, Lorena... hehehe... porque tantas perguntas?! – Rick estava visualmente sem graça – é um amigo aí que você nem conhece.
- Ah, por nada, desculpa, é que você parece que está se esquivando, tentando fugir de alguma coisa...
- Nossa, pelo amor de Deus, eu sou obrigado a ter a sexta livre?
- Não, claro que não...
Lorena não disse mais nada, Rick também não; e Flavinha assistiu a tudo calada.
***
Lorena chegou em casa e a primeira coisa que fez foi chamar a amiga no celular... Camila respondeu prontamente.
- Oi amiga nossa q foi?
- Ai camila é o rick. Ele tava tão estanho hj...
- Pq?
- Tipo, a gente ia marcar reunião sexta a noite e ele deu uma desculpa tão nada a ver pra dizer que não ia poder.... ele disse que ia jogar bola... camila, o rick odeia jogar bola! nossa, mto estrabho! estranho *
Camila levou alguns minutos pra responder.
- Ai amiga, meninos são assim mesmo, n fica assim, n deve ser nd.
- Meninos são assim? O q? Como assim camila?
Visualizado por último hoje às 14:03.
Camila não estava mais online.
***
Pedro caminhava preocupado pela rua, olhando pra trás e pros lados a cada minuto. Usava boné, blusa de frio e óculos escuros por cima dos próprios óculos [vê se pode uma coisa dessas], tentava se esconder, mas acabava chamando mais a atenção. Desceu duas ruas a mais pra evitar passar na frente de certo amigo, mas esqueceu de um detalhe sórdido: do outro lado, um rosto familiar o observou.
- Pedro? Hahaha... o que tu tá fazendo? - o rapaz pensou em correr ao ver a identidade revelada, mas já era tarde demais – virou agente secreto? Hahaha... que roupa é essa, mano?
- Valian, Maikão, o que tu tá fazendo por essas bandas?
- Eu trabalho na mecânica do outro lado da rua, ô lesado! – e riu mais alto – e tu? Tá esquisitão com essas roupas, velho; tá tudo bem?!
- Não... não tá tudo bem, Maikão, e você é a última pessoa no universo que eu queria encontrar hoje...
- Nossa, velho, que aconteceu? É alguma coisa séria?
- É sim... Preciso te contar uma coisa muito, mas muito séria, e não sei se devo!!
- Nossa, fala logo! Agora tu tá me deixando preocupado, velho!
Pedro disse, com um rosto sério. Ele tirou do bolso o bilhete amassado e, meio incerto, entregou nas mãos do líder de mocidade. Maikão pegou o papel desconfiado, mas não gostou nada nada quando leu o que tava escrito ali.


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