Festival do Céu: Capítulo VI - Contratempos


Dona Vera chegou em casa exausta, e com uma travessa cheia de salgados fritos e [a essa altura do campeonato] frios. Sentou-se desolada na cadeira e colocou a travessa na mesa. Atrás dela vinham Lorena, Clarinha e Camila. Ao ouvir a esposa chegar com as garotas, pastor Ludovico correu pra cozinha, mas não precisou perguntar nada: o clima pra baixo já respondia muita coisa.
- Ai, Ludovico, eu estou morta de canseira! E não vendemos nada, só duas coxinhas e um quibe... não sei porque eu fui ter a ideia de fazer salgados!
- Não acredito?! Por que não quiseram comprar? Vocês ofereceram direito?!
- Claro, né pai? – Clarinha interveio – a gente foi na rodoviária, no centro da cidade, na pista de skates... mas ninguém queria!
O pastor sentou-se junto, como que querendo passar ânimo a elas, um ânimo que nem mesmo ele sabia se tinha.
- Bom, pelo menos ainda temos salgados pra comer... estou morrendo de fome! – Camila disse, pegando uma coxinha fria e dando uma mordida – ai, imagina o Rick quando ficar sabendo que não deu certo!
Lorena, que pensava ao longe, voltou a si ao ouvir a palavra “Rick”.
- Falando nisso, cadê o Rick? – ela levantou-se – Ele não tá aqui? Ele saiu? Ele falou onde ia?
- Nossa, amiga, falando assim até parece que você tá desconfiada do seu namorado... – Camila disse, com um sorriso amarelo – você não está, né?
- Ele saiu – Ludovico disse – um colega ligou pra ele e ele foi lá ver o que era.
“Colega?”, Lorena pensou, mas não tinha tempo. Ela correu pegar o celular e ligar pro namorado. Se ele tivesse fugindo de novo, teria de dar explicações, a começar por explicar quem era esse tal “colega”. Seria o amigo do futebol que nunca aconteceu? Lorena não sabia, mas Rick teria de explicar.
Ela ainda aguardava no celular quando o namorado atendeu.
- Oi, amor, onde você tá? – todos na mesa acompanhavam a conversa em silêncio – Oi? Por que? Não tô entendendo, quem é Thomas? ... calma, Rick... olha, me espera, eu vou aí... – e Lorena desligou – alguma coisa deu muito errado.
***
- Ah, mano, não sei – Maikão falavava, no quarto de Pedro – na minha opinião a gente tem que ir lá e pá, falar logo... vamos ficar escondendo isso até quando? Já tá na hora, velho, eu não tô conseguindo me segurar mais olhando pra cara dela.
- Doido, tu não acha que precisamos de mais alguma prova? Tipo uma foto? Seria perfeito!
- E onde a gente vai arranjar essa foto, velho?!
- Vamos esperar a melhor oportunidade pra tirar essa foto, né doido!
Maikão olhava pro bilhete amassado na mão [o mesmo que Pedro encontrara dias antes], e disse:
- Mas me promete uma coisa: vamos fazer isso depois que esse festival passar!
Pedro concordou com a cabeça.
***
Lorena estacionou a motinha e foi pro meio da praça. Ela olhava banco a banco: num deles, um casal abraçadinho trocava galanteios e carinhos; no outro, um rapaz solitário comia um cachorro-quente. A maioria dos bancos estavam vazios, mas Lorena sabia exatamente onde Rick estava sentado, e ela foi até lá.
Rick estava visivelmente desmotivado em frente à sua obra de arte na árvore: o coração escrito “Rick & Lorena”. A namorada sentou-se ao lado dele e o abraçou. Ele a olhou nos olhos e beijou.
- Acho que vou desistir – ele ainda a olhava nos olhos – contei com a ajuda desse tal de Thomas... aff, que cara babaca!
- Quem é esse cara?
- Ele vai na Igreja, se converteu há algum tempo... ou melhor, não se converteu ainda. Ele trabalha na prefeitura e não quer ajudar a Igreja a tirar o alvará porque ele não quer que as pessoas no serviço dele descubram que ele é crente!
- Não acredito?!
- Ele deu os motivos dele, é tímido... um idiota! Só quero ver como vamos conseguir fazer o festival sem o alvará? Isso sem contar com os gastos da Igreja... como foi a venda de salgados?
- Queria dizer que foi um sucesso... mas foi um fiasco.
- Tá vendo só? É, acho que eu tô querendo demais com este festival mesmo...
Eles ficaram juntos, lado a lado.
- É uma pena!
- Sim, eu queria muito esse festival, sabe?
- Não tô falando disso, Rick, tô falando que é uma pena que você queira desistir, mas não possa! Muito triste! – Rick a encarou com uma cara tipo “oi?!”, e Lorena prosseguiu – é, oras bolas, você não deu a sua palavra a Deus que iria conseguir fazer? Você não deu sua palavra pro conselho da Igreja e pro seu pai? Ou vai me dizer que você não é homem de palavra?
- Amor... assim você quebra minhas pernas!
- Rick, você não quer muito esse festival? Quando a gente quer muito a gente faz acontecer, dá um jeito.
- Mas eu tô fazendo de tudo e nada parece dar certo!!!
- Não, eu tô vendo você choramingar num banco de praça – Lorena levantou-se – levanta daí, bola pra frente. Amanhã você já marcou com meninos de tentar ganhar o campeonato de futebol, não marcou? Se vocês ganharem, o prêmio é de mil reais!!! Isso vai dar uma guinada.
- É, isso é verdade... mas eu não garanto que eu vou ganhar, sou péssimo jogando bola. E tem outra, e a questão do alvará?
Lorena pensou um pouco e perguntou:
- Onde esse cara mora?
***
O domingo mal havia começado, e o campinho de futebol estava cheio. Quem não fazia parte dos times que iam jogar, faziam parte da família dos que faziam parte do time que ia jogar [ficou confuso? Desculpa]. O time de Rick, os Exploradores da Ilha, estava completo: Rick, Maikão, Pedro, e toda uma galera da Igreja, incluindo Vinícius.
Rick pedira ao pai que eles fossem liberados da EBD pra poderem participar do jogo, e acabou que o pastor cancelou a Escola Bíblica pra que toda a Igreja torcesse pelo time e, claro, pelo festival.
O time reunido no canto do campo. Rick olhava de um lado ao outro, via seus família, amigos da Igreja, mas não via Lorena. “Onde ela se meteu?”, Rick pensava. Enquanto isso, disfarçadamente, Flavinha pegava o celular de Rick, que ele havia deixado com a mãe, e dava uma bisbilhotada....
***
Lorena esperava há vinte minutos, até que a porta abriu.
- Oi, bom dia, eu gostaria de falar com o... ei, eu tô lembrada de você nos cultos da mocidade. Você que é o  Thomas, né?
Thomas assustou ao ver a moça na sua porta.
***
A torcida estava a todo vapor. Por mais incrível que pudesse parecer, os Exploradores da Ilha, conseguiram vencer todos os jogos e, agora, disputavam a última partida pelos mil reais.
Os nervos estavam à flor da pele. Pedro deu um carrinho feio, e foi expulso da partida. Maikão já não jogava, porque tinha machucado o joelho. A emoção era grande, o jogo estava pra acabar, e o outro time tinha feito um gol. Os Exploradores estavam pra perder a jogada quando Rick levou um carrinho dentro da área. Penalidade máxima.
***
- Olha, eu não tenho nada pra falar com você...
- Hei, não vem fechar a porta na minha cara não, você vai ouvir tudo o que eu tenho pra dizer, seu covarde!
Thomas saiu e fechou a porta atrás de si.
- Esc-cuta, v-você não me c-conhece... e não s-sabe nada... s-sobre mim.
- E não me interessa saber mesmo. Tem um monte de gente dependendo de você pra que o festival de música da Igreja dê certo e você não faz nada?! Thomas; esse festival vai servir pra gente conseguir fundos pra Igreja Perseguida. São pessoas que sofrem por Jesus, alguns que morrem por Ele!! Você não pode ficar parado sem fazer nada!
- E o que v-você quer q-que eu faça?
- Você sabe o que tem que fazer: dê um jeito pro alvará da Igreja na prefeitura.
- Olha... – Thomas agora sorria nervoso -  não é t-tão simples ass-ssim!
- Olha, Deus não colocou você lá na Prefeitura por acaso. Pode até não ser tão simples assim, mas é responsabilidade sua.
***
Rick preparou-se pra bater. Embora ele fosse muito mal no futebol, ele sempre gostara de brincar batendo pênaltis. E nisso ele era bom.
Rick posicionou a bola na marca e esperou que todos fossem pra trás de si.
“Oh Jesus, por favor, me ajuda nesse pênalti. Precisamos ir pra prorrogação e tentar ganhar... por favor Jesus!!!”, Rick voltou a si com o apito do juiz, e não pensou duas vezes. A caixa do gol parecia muito clara em sua mente.
***
Lorena deixou Thomas desconcertado, ele estava a ponto de chorar, mas segurava com toda a força o nó na garganta.  Tudo o que ele queria é ter a coragem de ajudar.
Ele esperava se recuperar pra entrar novamente na república, torcendo pra que ninguém mais tivesse ouvido a campainha. Ele esperou a a ponto de ver Lorena montar na motinha e sair avenida a fora. Thomas ainda observava Lorena, até que viu algo que o deixou terrivelmente assustado.
***
A bola foi, foi e foi.... estava na direção certa pra um gol perfeito, até subir mais um centímetro e bater no travessão. O juiz apitou de novo. O jogo havia acabado.
Dona Vera, que estava sentada junto com a igreja na plateia, ouviu um toque diferente de celular, e lembrou-se que Rick havia deixado o celular dele com ela. Enquanto todos foram ao campo consolar os jogadores [principalmente Rick], dona Vera procurava o celular. “Ué, onde eu deixei ele?”.
- Ai, bonito, foi uma partida tão emocionante... não acredito que a gente perdeu!!
- É mesmo...
- RICK!!! – Dona Vera gritou.
- Oi mãe?! – Rick correu até a mãe, desviando do povo – o que foi?
- Aconteceu uma coisa terrível – dona Vera falava com o telefone ainda na orelha.
- O que foi, mãe? O que foi??
- É a Lorena filho. Ela sofreu um acidente com a moto!

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