Festival do Céu: Capítulo VIII - Correndo atrás do tempo


- Vamos meninas, vamos!
Dona Vera incentivava as jovens da mocidade da Igreja estavam na casa dos pastores, para montarem as pizzas que seriam distribuídas mais tarde, pelos meninos.
- Hm.... tô gostando de ver vocês todas animadas! – Rick descia as escadas.
- Ai, filho, também, estamos cheios de encomendas! Ai, tô muito animada, essas vendas de pizzas vão conseguir um bom lucro pro festival... embora ainda seja pouco se levarmos em conta tudo o que precisamos fazer no som da Igreja.
- Todas as garotas vieram?
- Quase... menos a Lorena, óbvio, a Flavinha, mas já já ela deve chegar, sempre se atrasa; e a Camila que...
- Foi ver a Lorena!
- Como você sabe?
- Ah... é que... ela comentou com a Lorena e a Lorena me contou!
- Ah... Ai, Rick, será que vamos conseguir esse dinheiro?
- Em nome de Jesus, mãe... em nome de Jesus!
Dona Vera concordou com o filho e saiu pra começar a gerenciar as meninas, enquanto Rick ficou observando tudo de onde estava. “Em nome de Jesus” ele pensava, até que a campainha tocou e o rapaz foi atender. Ficou surpreso ao abrir a porta.
- O que você faz aqui?!
- Eu vim... falar c-com seu pai – Thomas engoliu seco.
- Ele não tem nada pra falar com você – Rick já ia fechando a porta, quando Thomas interviu.
- Não, Rick, p-por favor, é a respeito do fest-tival!
Rick abriu a porta, novamente.
- A respeito de qual festival? Daquele que não vai ter mais porque a Igreja não tem alvará?
- E por que as meninas estão na sua casa fazendo pizzas? – Thomas disse, olhando por cima do ombro de Rick.
Rick fechou a porta atrás de si.
- Que pizzas? Abusado! Elas estão aí pra... um... estudo. É! Minha mãe está dando um estudo pra elas hoje! – Rick não convencia nem a si mesmo.
- Um estudo sobre fazer pizzas? Olha, Rick, eu sei que a Igreja vai fazer pizzas pra arrecadar dinheiro pro festival, a Flávia me disse.
- E o que ela não fala, né? Aff...
- Eu vim dizer ao seu pai que eu conversei na Prefeitura a respeito do alvará.
- Conversou?! – os olhos de Rick brilharam – sério?!
- Sim. Olha, com os documentos que vocês já tem, mais uma folha assinada pelos vizinhos que não tem problema o festival nesse dia, eu consigo o alvará pra vocês. Mas tem que ser logo, tendo em vista que o festival é domingo e...
- Oh meu Deus! Sério?! Sério mesmo?! Hahahaha... – Rick abraçou forte Thomas – obrigado, obrigado cara. Deus te abençoe! Deus te abençoe muito! – Rick correu pra dentro de casa pra avisar ao pai e nem se tocou que deixou Thomas pra fora.
***
Pedro aproveitava a tarde de sábado pra tomar sol na prainha de Ilha Solteira. A noite seria corrida pra distribuir as pizzas, então ele queria aproveitar o máximo pra descansar, quando o celular tocou.
- Alô.
- Quem está falando? – disse uma voz feminina familiar, Pedro não pensou duas vezes antes de ser grosseiro.
- Oxi! E tu ligou pra quem? Quer que outro atenda?
- Ai que mal educado, só podia ser você, né Pedro?! Preciso muito falar com você!
- Me deixe em paz, bichinha! – e Pedro desligou.
O celular tornou a tocar.
- Vá desligar na cara das tuas amigas, queridinho. Preciso falar com você, Pedro!!!
- Olhe, pois eu não posso falar agora, acontece que eu estou muito ocupado!
- Muito ocupado?!
- Sim, estou ajudando minha mãe a limpar roupa.
- Não se diria lavar roupa?
- Adeus!
Pedro desligou novamente e continuou estirado pegando sol, até que alguém lhe fez sombra.
- Nossa, quanta roupa suja, hein?! Você não tem vergonha de mentir sendo crente? – Flavinha estava furiosa.
- ME DEIXE!!!!!
- Pedro, deixa de enrolar. Eu sei que você sabe de alguma coisa que ninguém mais tá sabendo. Você vai me falar o que é ou eu vou ter que descobrir à força?
- Bichinha, tu estás doida?!
- Doida?! Então o que você e o Maikão estavam cochichando atrás da casa do Rick, hein?!
Flavinha colocou o rapaz contra a parede. Pedro apanhou as últimas coisas que estavam na areia, olhou nos olhos de Flavinha e respondeu:
- Eu não sei de nada! – e foi embora.
***
Sentados lado a lado no sofá apertado estavam Thomas, o pastor e Rick, que tentavam recolher a assinatura de autorização de uma das vizinhas mais chatas e implicantes que a Igreja tinha: Rogéria. Ela já ligara várias e várias vezes pra polícia pra reclamar de som alto [ligara até num dia em que nem estava tendo culto na Igreja, e sim uma festa na casa de um vizinho].
- Eu não posso assinar um documento desses! Se, sem assinatura, vocês já fazem uma balburdia, imagina com ela!
- Esse papel é só um capricho que a prefeitura pede – o pastor insistia - O som não vai extrapolar, dona Rogéria, isso podemos garantir.
Rogéria segurava o papel numa mão, observando as assinaturas que outros vizinhos já tinham dado, enquanto segurava um cigarro aceso na outra mão. Ela é uma daquelas mulheres escandalosas, que veste roupas de diversas estampas de animas diferentes ao mesmo tempo e usa unhas postiças de cores chamativas. Nesse momento mesmo, por exemplo, ela usava uma calça de onça-pintada com uma regata amarela cheia de pompons azuis no decote, com as unhas cor de laranja.
Thomas observava aquela mulher e não entendia como alguém que parecia ser tão escandalosa pudesse reclamar do barulho de uma Igreja.
- Não, não mesmo – Rogéria deu uma tragada no cigarro e soprou a fumaça na cara dos convidados - Olha, eu entendo que vocês recebem pessoas mais burrinhas e pobres e que vocês tenham que ficar gritando na orelha delas pra fazer lavagem cerebral... eu entendo, não julgo as religiões dos outros, de maneira alguma! Mas não posso. E tem outra, meu bebê tem o sono muito frágil, ele não pode ficar acordando!
- A senhora tem um filho? – o pastor perguntou admirado [com a cara de quem não sabia nem que a mulher tinha ficado grávida].
- Sim, e ele não pode ficar acordando à todo momento – nesse instante, saiu de uma porta atrás de Rogéria um tipo: um rapaz de uns dois metros de altura, enorme, que não se importou de estar de samba-canção na frente de três estranhos. Ele deitou-se no sofá e repousou a cabeça no colo de Rogéria – não é mesmo, bebê?
- É sim, mamãe!
O celular do Rick tocou [e ele agradeceu a Deus por ter um escape de tamanho momento estranho], ele saiu do sofá e afastou-se um pouco.
- Alô... – ele cochichava - não... eu sei... olha, eu tô meio ocupado aqui, vou atrasar mais uns 15 minutos, mas já já chego aí... segura um pouco, já chego... tá bom, tchau.
Rick voltou pra sala, e sorriu ao dizer:
- E então? Já temos a assinatura?
***
Lorena trocava os canais da televisão sem piedade. Ela estava deitada na cama cheia de travesseiros, e com o pé esquerdo engessado e levantado. Nada parecia lhe agradar na programação da TV, até que dona Ofélia anunciou uma visita. Lorena ajeitou-se na cama esperando Rick, mas ficou frustrada ao ver Flavinha entrar pela porta.
- Bonita, até que você não tá tão acidentada assim como eu imaginei! – Flavinha foi abraçando a amiga – e como você tá?
- Ah, Flavinha, fora o susto, e a moto que deu PT, tá tudo bem... foi um milagre eu sair viva!
- Hm... mas tá com uma cara tão abatida! Está toda dolorida, né? Eu imagino.
- Também! É que eu pensei que fosse o Rick. Acho que ele deve estar correndo atrás das coisas do festival, porque só veio me visitar um dia!
- Ah... bom,  já que você tocou no assunto, eu andei dando uma investigada e...
- Você descobriu alguma coisa?! – Lorena arregalou os olhos.
- Ai que afobação?! Até parece eu! Bom, eu descobri mais ou menos. Eu investiguei no celular dele e não tinha nada, mas sei quem sabe. Olha, Lô, se o Rick tá tramando alguma coisa, pode certeza que o Pedro tá sabendo o que é.
- Claro! – Lorena disse estalando o dedo – eles são melhores amigos! Como eu não pensei nisso antes?!
- E tem mais, o Maikão, líder da mocidade, sabe? Ele também tá por dentro.
- Hm... sério?! Estranho.
- Peguei os dois cochichando alguma coisa... mas não consegui descobrir o que era.
- Então pode deixar, Flavinha, que agora ficou fácil descobrir.
***
Rick chegou em casa animado, e encontrou uma cena nada animadora: dona Vera e o pastor Ludovico estavam sentados na sala, à meia luz.
- Rick, vem aqui – o pai chamou. Rick se prontificou a ir e sentar-se no sofá à frente dos pais – olha, com todo o lucro das vendas das pizzas realmente arrecadamos um bom dinheiro, mas não é o suficiente... na verdade não é nem metade, e precisaríamos comprar o equipamento de som essa semana... o festival é domingo!
Rick viu a animação escapar pelos dedos.
- Sabe, filho, ainda dá tempo de cancelar tudo!
- Não, mãe, já fechei com várias bandas de outras Igrejas, e amigos... eu não quero dar pra trás agora.
- Então o que vamos fazer, filho? – A mãe perguntou.
Rick ficou em silêncio, e assim os três ficaram por alguns minutos, até o pastor sugerir.
- Vamos orar. Deus honrará a nossa fé!
- Eu não sei se tenho fé pra ser honrada... – Vera disse.
- Mas eu tenho... vamos orar!
O pastor chamou Clarinha, que estava no quarto, e assim, juntos, a família orou pedindo a Deus uma solução. Rick orava com fé, fervorosamente, crendo na resposta de Deus... e ela chegou tocando a campainha. A família terminou de orar e o pastor foi atender à porta, enquanto Rick foi à cozinha tomar um copo de água.
- Fica frio, Rick, eu tenho certeza que tudo vai dar certo – Clarinha disse.
- Por que tem tanta certeza?
- Porque é da vontade de Deus. E quanto é da vontade de Deus, dá certo.
- É... – Rick disse, sorrindo pra irmã – minha maninha tá crescendo!
O pastor Ludovico chamou Rick à porta e ele foi. Lá estavam os homens do conselho da Igreja, que incluíam Otávio, Sr. Emiliano, Antônio e outros, além de outras famílias...
- Rick – o pastor falava, visivelmente emocionado – os irmãos da Igreja decidiram pagar do próprio bolso os gastos que a Igreja vai ter com o som. Vão dar de oferta, Rick! É a resposta de Deus às nossas orações!!
Rick arregalou os olhos e correu abraçar as pessoas que estavam à porta, chorando. “Obrigado, Jesus”, ele pensava, “é tudo pra Você.”

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