-
Vamos meninas, vamos!
Dona
Vera incentivava as jovens da mocidade da Igreja estavam na casa dos pastores,
para montarem as pizzas que seriam distribuídas mais tarde, pelos meninos.
-
Hm.... tô gostando de ver vocês todas animadas! – Rick descia as escadas.
-
Ai, filho, também, estamos cheios de encomendas! Ai, tô muito animada, essas
vendas de pizzas vão conseguir um bom lucro pro festival... embora ainda seja
pouco se levarmos em conta tudo o que precisamos fazer no som da Igreja.
-
Todas as garotas vieram?
-
Quase... menos a Lorena, óbvio, a Flavinha, mas já já ela deve chegar, sempre
se atrasa; e a Camila que...
-
Foi ver a Lorena!
-
Como você sabe?
-
Ah... é que... ela comentou com a Lorena e a Lorena me contou!
-
Ah... Ai, Rick, será que vamos conseguir esse dinheiro?
-
Em nome de Jesus, mãe... em nome de Jesus!
Dona
Vera concordou com o filho e saiu pra começar a gerenciar as meninas, enquanto
Rick ficou observando tudo de onde estava. “Em nome de Jesus” ele pensava, até
que a campainha tocou e o rapaz foi atender. Ficou surpreso ao abrir a porta.
-
O que você faz aqui?!
-
Eu vim... falar c-com seu pai – Thomas engoliu seco.
-
Ele não tem nada pra falar com você – Rick já ia fechando a porta, quando Thomas
interviu.
-
Não, Rick, p-por favor, é a respeito do fest-tival!
Rick
abriu a porta, novamente.
-
A respeito de qual festival? Daquele que não vai ter mais porque a Igreja não
tem alvará?
-
E por que as meninas estão na sua casa fazendo pizzas? – Thomas disse, olhando
por cima do ombro de Rick.
Rick
fechou a porta atrás de si.
-
Que pizzas? Abusado! Elas estão aí pra... um... estudo. É! Minha mãe está dando
um estudo pra elas hoje! – Rick não convencia nem a si mesmo.
-
Um estudo sobre fazer pizzas? Olha, Rick, eu sei que a Igreja vai fazer pizzas
pra arrecadar dinheiro pro festival, a Flávia me disse.
-
E o que ela não fala, né? Aff...
-
Eu vim dizer ao seu pai que eu conversei na Prefeitura a respeito do alvará.
-
Conversou?! – os olhos de Rick brilharam – sério?!
-
Sim. Olha, com os documentos que vocês já tem, mais uma folha assinada pelos
vizinhos que não tem problema o festival nesse dia, eu consigo o alvará pra
vocês. Mas tem que ser logo, tendo em vista que o festival é domingo e...
-
Oh meu Deus! Sério?! Sério mesmo?! Hahahaha... – Rick abraçou forte Thomas –
obrigado, obrigado cara. Deus te abençoe! Deus te abençoe muito! – Rick correu
pra dentro de casa pra avisar ao pai e nem se tocou que deixou Thomas pra fora.
***
Pedro
aproveitava a tarde de sábado pra tomar sol na prainha de Ilha Solteira. A
noite seria corrida pra distribuir as pizzas, então ele queria aproveitar o
máximo pra descansar, quando o celular tocou.
-
Alô.
-
Quem está falando? – disse uma voz feminina familiar, Pedro não pensou duas
vezes antes de ser grosseiro.
-
Oxi! E tu ligou pra quem? Quer que outro atenda?
-
Ai que mal educado, só podia ser você, né Pedro?! Preciso muito falar com você!
-
Me deixe em paz, bichinha! – e Pedro desligou.
O
celular tornou a tocar.
-
Vá desligar na cara das tuas amigas, queridinho. Preciso falar com você,
Pedro!!!
-
Olhe, pois eu não posso falar agora, acontece que eu estou muito ocupado!
-
Muito ocupado?!
-
Sim, estou ajudando minha mãe a limpar roupa.
-
Não se diria lavar roupa?
-
Adeus!
Pedro
desligou novamente e continuou estirado pegando sol, até que alguém lhe fez
sombra.
-
Nossa, quanta roupa suja, hein?! Você não tem vergonha de mentir sendo crente?
– Flavinha estava furiosa.
-
ME DEIXE!!!!!
-
Pedro, deixa de enrolar. Eu sei que você sabe de alguma coisa que ninguém mais
tá sabendo. Você vai me falar o que é ou eu vou ter que descobrir à força?
-
Bichinha, tu estás doida?!
-
Doida?! Então o que você e o Maikão estavam cochichando atrás da casa do Rick,
hein?!
Flavinha
colocou o rapaz contra a parede. Pedro apanhou as últimas coisas que estavam na
areia, olhou nos olhos de Flavinha e respondeu:
-
Eu não sei de nada! – e foi embora.
***
Sentados
lado a lado no sofá apertado estavam Thomas, o pastor e Rick, que tentavam
recolher a assinatura de autorização de uma das vizinhas mais chatas e
implicantes que a Igreja tinha: Rogéria. Ela já ligara várias e várias
vezes pra polícia pra reclamar de som alto [ligara até num dia em que nem
estava tendo culto na Igreja, e sim uma festa na casa de um vizinho].
-
Eu não posso assinar um documento desses! Se, sem assinatura, vocês já fazem
uma balburdia, imagina com ela!
-
Esse papel é só um capricho que a prefeitura pede – o pastor insistia - O som
não vai extrapolar, dona Rogéria, isso podemos garantir.
Rogéria
segurava o papel numa mão, observando as assinaturas que outros vizinhos já
tinham dado, enquanto segurava um cigarro aceso na outra mão. Ela é uma
daquelas mulheres escandalosas, que veste roupas de diversas estampas de animas
diferentes ao mesmo tempo e usa unhas postiças de cores chamativas. Nesse
momento mesmo, por exemplo, ela usava uma calça de onça-pintada com uma regata
amarela cheia de pompons azuis no decote, com as unhas cor de laranja.
Thomas
observava aquela mulher e não entendia como alguém que parecia ser tão
escandalosa pudesse reclamar do barulho de uma Igreja.
-
Não, não mesmo – Rogéria deu uma tragada no cigarro e soprou a fumaça na cara
dos convidados - Olha, eu entendo que vocês recebem pessoas mais burrinhas e
pobres e que vocês tenham que ficar gritando na orelha delas pra fazer lavagem
cerebral... eu entendo, não julgo as religiões dos outros, de maneira alguma!
Mas não posso. E tem outra, meu bebê tem o sono muito frágil, ele não pode
ficar acordando!
-
A senhora tem um filho? – o pastor perguntou admirado [com a cara de quem não
sabia nem que a mulher tinha ficado grávida].
-
Sim, e ele não pode ficar acordando à todo momento – nesse instante, saiu de
uma porta atrás de Rogéria um tipo: um rapaz de uns dois metros de altura,
enorme, que não se importou de estar de samba-canção na frente de três
estranhos. Ele deitou-se no sofá e repousou a cabeça no colo de Rogéria – não é
mesmo, bebê?
-
É sim, mamãe!
O
celular do Rick tocou [e ele agradeceu a Deus por ter um escape de tamanho
momento estranho], ele saiu do sofá e afastou-se um pouco.
-
Alô... – ele cochichava - não... eu sei... olha, eu tô meio ocupado aqui, vou
atrasar mais uns 15 minutos, mas já já chego aí... segura um pouco, já chego...
tá bom, tchau.
Rick
voltou pra sala, e sorriu ao dizer:
-
E então? Já temos a assinatura?
***
Lorena
trocava os canais da televisão sem piedade. Ela estava deitada na cama cheia de
travesseiros, e com o pé esquerdo engessado e levantado. Nada parecia lhe
agradar na programação da TV, até que dona Ofélia anunciou uma visita. Lorena
ajeitou-se na cama esperando Rick, mas ficou frustrada ao ver Flavinha entrar
pela porta.
-
Bonita, até que você não tá tão acidentada assim como eu imaginei! – Flavinha
foi abraçando a amiga – e como você tá?
-
Ah, Flavinha, fora o susto, e a moto que deu PT, tá tudo bem... foi um milagre
eu sair viva!
-
Hm... mas tá com uma cara tão abatida! Está toda dolorida, né? Eu imagino.
-
Também! É que eu pensei que fosse o Rick. Acho que ele deve estar correndo
atrás das coisas do festival, porque só veio me visitar um dia!
-
Ah... bom, já que você tocou no assunto,
eu andei dando uma investigada e...
-
Você descobriu alguma coisa?! – Lorena arregalou os olhos.
-
Ai que afobação?! Até parece eu! Bom, eu descobri mais ou menos. Eu investiguei
no celular dele e não tinha nada, mas sei quem sabe. Olha, Lô, se o Rick tá
tramando alguma coisa, pode certeza que o Pedro tá sabendo o que é.
-
Claro! – Lorena disse estalando o dedo – eles são melhores amigos! Como eu não
pensei nisso antes?!
-
E tem mais, o Maikão, líder da mocidade, sabe? Ele também tá por dentro.
-
Hm... sério?! Estranho.
-
Peguei os dois cochichando alguma coisa... mas não consegui descobrir o que
era.
-
Então pode deixar, Flavinha, que agora ficou fácil descobrir.
***
Rick
chegou em casa animado, e encontrou uma cena nada animadora: dona Vera e o
pastor Ludovico estavam sentados na sala, à meia luz.
-
Rick, vem aqui – o pai chamou. Rick se prontificou a ir e sentar-se no sofá à
frente dos pais – olha, com todo o lucro das vendas das pizzas realmente
arrecadamos um bom dinheiro, mas não é o suficiente... na verdade não é nem
metade, e precisaríamos comprar o equipamento de som essa semana... o festival
é domingo!
Rick
viu a animação escapar pelos dedos.
-
Sabe, filho, ainda dá tempo de cancelar tudo!
-
Não, mãe, já fechei com várias bandas de outras Igrejas, e amigos... eu não
quero dar pra trás agora.
-
Então o que vamos fazer, filho? – A mãe perguntou.
Rick
ficou em silêncio, e assim os três ficaram por alguns minutos, até o pastor
sugerir.
-
Vamos orar. Deus honrará a nossa fé!
-
Eu não sei se tenho fé pra ser honrada... – Vera disse.
-
Mas eu tenho... vamos orar!
O
pastor chamou Clarinha, que estava no quarto, e assim, juntos, a família orou
pedindo a Deus uma solução. Rick orava com fé, fervorosamente, crendo na
resposta de Deus... e ela chegou tocando a campainha. A família terminou de
orar e o pastor foi atender à porta, enquanto Rick foi à cozinha tomar um copo
de água.
-
Fica frio, Rick, eu tenho certeza que tudo vai dar certo – Clarinha disse.
-
Por que tem tanta certeza?
-
Porque é da vontade de Deus. E quanto é da vontade de Deus, dá certo.
-
É... – Rick disse, sorrindo pra irmã – minha maninha tá crescendo!
O
pastor Ludovico chamou Rick à porta e ele foi. Lá estavam os homens do conselho
da Igreja, que incluíam Otávio, Sr. Emiliano, Antônio e outros, além de outras
famílias...
-
Rick – o pastor falava, visivelmente emocionado – os irmãos da Igreja decidiram
pagar do próprio bolso os gastos que a Igreja vai ter com o som. Vão dar de
oferta, Rick! É a resposta de Deus às nossas orações!!
Rick
arregalou os olhos e correu abraçar as pessoas que estavam à porta, chorando.
“Obrigado, Jesus”, ele pensava, “é tudo pra Você.”
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