Festival do Céu: Capítulo VII - A verdade dói


Aqueles corredores apáticos ficavam ainda mais frios sendo todos brancos, sem nenhum detalhe de outra cor. Por todos os lados, faxineiras, atendentes e enfermeiras cirandavam, de um lado ao outro, com suas roupas brancas e rostos despreocupados.
“Como podem sorrir?”, Rick pensava, “como essas pessoas podem estar aqui e achar tudo normal?”, mas ele não conseguia entender, enquanto andava de corredor em corredor, de sala em sala. Não é este, e nem aquele... talvez não seja nem mesmo este corredor.
O coração disparado, tudo o que ele pensava era uma oração a Deus. “Senhor, que ela esteja bem. Que nada de ruim tenha acontecido com ela”, mas em casos assim, a gente sabe, muita coisa de ruim pode acontecer, infelizmente.
Ele já estava cansado de andar de um lado ao outro, até achar o quarto que estava buscando. De repente, um gelo passou por seu corpo. Por alguns segundos ele ficou imóvel, paralisado, até que tomou a coragem de abrir a porta.
Lorena estava deitada no leito com uma daquelas roupas de hospital, brancas também, os cabelos estavam ajeitados até, e o pé esquerdo enfaixado. Pelos dois braços de Lorena, na perna esquerda e também numas partes do rosto podiam ser vistos os hematomas roxos do acidente. Ao ver isso, uma lágrima rolou dos olhos de Rick, que tomou uma das mãos de Lorena e sussurrou:
- Meu amor, por favor, não me deixe... Oh, Lorena, por favor!!! Eu te amo... como vou fazer sem você. Por favor, Lorena, não me deixe...
- Nossa, pelo amor de Deus – Lorena abriu os olhos – eu tô bem!
- Lorena!! – Rick quase gritou.
- É verdade o que você disse?
- Claro!
- Até a parte que me ama?
Rick sorriu. Debruçou pra dar um beijo na namorada, quando foi surpreendido.
- Hei, o que você faz aqui – disse uma enfermeira – pra fora, já! – a enfermeira tentava desgrudar Rick da maca - ela não tá podendo receber visitas. Fora!
***
Thomas estava na frente do hospital; ele esperaria que alguém saísse pra dar informações sobre Lorena. Ele poderia muito bem entrar e perguntar pra todos que estavam esperando, mas não tinha coragem; ele estava muito preocupado, ainda mais tendo presenciado o acidente.
O plano deu certo, Flavinha saiu e estava indo em bora quando o rapaz atravessou a rua.
- Hei... oi... você tem alguma notícia da Lorena?
- Quem é você?
- Um amigo. Sou da Igreja, não lembra de mim? – ele tentava ser simpático pra conseguir as notícias.
- Hm... – Flavinha o encarou desconfiada – não lembro. Bom, ela tá bem. Vai ficar de observação alguns dias. Graças a Deus não teve nenhum ferimento grave!
- Que bom! – Thomas disse aliviado.
- Agora dá licença que eu tenho que ir fazer as adesões pra gente vender pizzas pro festival da Igreja. Sabe o festival que vai ter?
- Sei...
- Pois é, vamos tentar vender pizzas pra financiar o festival, embora a gente nem saiba se vamos conseguir fazer mesmo ele... sabe, a Igreja precisa de um alvará especial – Flavinha desandou a falar [ela é assim mesmo, a gente não pode dar trela] – e tem um idiota na Igreja que trabalha na prefeitura e não quer nem ajudar a gente. Vê se pode isso?
- Sério – Thomas falava como se não soubesse de nada, mas a consciência pesava.
- Sim. Um tal de Tomás... alguma coisa assim, não sei direito, sei que o cara é um grande e tremendo idiota. Diz que é da Igreja e, simplesmente, não quer ajudar. Dá pra entender isso?! Não né?! Sabe, bonito, eu acho que gente assim nem convertida é, porque se fosse ia ajudar, ué. Ai, essas coisas me irritam, você não faz ideia! Bom, mas eu tenho que ir. Até mais, viu? Gostei de falar com você.
Flavinha saiu, sem nem mesmo saber que falava com o tal do Tomás.
***
Toda a galera estava reunida em volta de Pedro, que tentava distribuir as adesões das pizzas, o que deixava a sala cheia. Dona Vera adorava ver sua casa cheia de gente.
Flavinha já esperava há alguns minutos, até que não aguentou.
- Ai, bonito, tô esperando aqui há dez anos e você passa todo mundo na minha frente! – a garota se queixava – vai me deixar por última? Isso é perseguição!
- Arre égua! Pare de me aperrear, bichinha... – Pedro disse, entregando as adesões.
- Olha, queridinho, 90% das palavras que você fala eu não entendo!
- Ai... vocês dois até parecem um casal! – Clarinha, que observava a cena, disse isso justo num daqueles momentos em que as pessoas ficam em silêncio, e a sala toda caiu no riso quando ouviu.
- Oxi... só se eu for é doido.
Flavinha conseguiu pegar as adesões e saiu do meio da muvuca. Com toda a falação, e empurra-empurra, ela foi até a cozinha da casa, que estava vazia, pra conferir as adesões; começou a contar, até que ouviu um sussurro que vinha detrás da casa. A moça foi até a janela e ficou na espreita pra ouvir o que estavam falando.
- Mas você não contou nada, né? – falou uma voz masculina.
- Não, claro que não! Ai, mas acho que não consigo guardar muito tempo isso – agora a voz era feminina.
- Mas você precisa, ou você quer que todo mundo descubra?! Tá doida?!
- Não. Só vim te avisar pra você ficar atento que as pessoas estão desconfiando.
- Fica tranquila. Nisso eu dou um jeito. Agora...
Flavinha percebeu alguém se aproximando e correu disfarçar.
- Tudo bem aí, minha filha? – Dona Vera perguntou.
- Claro, claro. Estou só conferindo as adesões.
Dona Vera ficou pela cozinha mais alguns minutos, o que segurou Flavinha de continuar ouvindo. A garota esperou até que a dona da casa saísse, e então voltou à janela, mas agora eram duas vozes masculinas que falavam.
- Não tô conseguindo aguentar mais, mano, ainda mais depois do acidente. A gente não pode esperar passar o festival... – sussurrava uma das vozes.
Flavinha não pensou duas vezes, correu abrir a portados fundos. Ficou muito decepcionada ao ver que eram Pedro e Maikão.
- DOIDO, ESSA MININA NÃO PARA DE ME APERREAR
- O que os dois bonitos tão fazendo aqui?
- Nada que seja de tua conta!
- E quem tava aqui antes?
- Ninguém – Maikão respondeu – a gente veio aqui e tava sem ninguém.
- Aff... que droga!
- Então vamos, lá galera – Rick chamava o pessoal pra frente de casa. Ao ouvirem, os três correram pra que ninguém notasse a falta deles – cada um está com as adesões, vamos sair vendendo de porta em porta na cidade. Por Jesus e pela Igreja Persguidaa!!! – Rick gritou.
Toda a galera levantou as mãos e gritou: WOOOOOW!!!!
Flavinha queria muito estar no clima, mas tudo o que ela pensava era nas conversas estranhas atrás da casa de Rick.
***
- Hmm... – pastor Ludovico disse, pensativo, depois de ouvir tudo o Thomas havia falado.
O rapaz esperara todos saírem de frente da casa do pastor e esperou muito até criar coragem pra ir falar com ele. Ele estava muito nervoso, coração a mil.
- Mas por que o medo de se expor? Você tem amigos não cristãos que poderiam zombar de você no serviço?
- Não... eu só tenho... – Thomas olhava sempre pra baixo, sem encarar o pastor, e com os olhos cheios de lágrimas – vergonha. Perdoe-me, pastor – ele disse, chorando - Eu sei que estou errado... tenho vergonha de ser quem sou, esse lixo. Eu queria ter coragem, mas tenho medo de que vejam que sou cristão, de que vou na Igreja e leio a Bíblia. Tenho vergonha que saibam qualquer coisa sobre mim, não apenas isso. Perdoe-me pastor, eu queria ajudar no festival e tenho medo. Peça para Deus me perdoar, eu não mereço nada... eu sou um lixo.
O pastor atravessou a sala, abaixou-se, colocou a mão em seus ombros e disse, serenamente.
- Você não é um lixo. Foi Deus quem criou você, Ele te ama e valoriza a pessoa que você, mesmo que você não enxergue seu próprio valor.
- Pastor, Deus ainda me ama? Mesmo eu O decepcionando?
- Todos decepcionamos a Deus. Posso garantir que, se Ele não fosse nos amar por isso, ninguém teria Seu amor. Jesus veio ao mundo exatamente por isso: porque ninguém é perfeito. – O pastor, então, levantou-se – Thomas, você precisa aprender que não é diferente de ninguém. Assim como você peca e sente medo, todas as pessoas fazem o mesmo; e, embora você se sinta um lixo que não merece a Deus, na verdade eu vejo que Ele próprio está trabalhando na sua vida.
- Como assim, pastor? - Thomas enxugava as lágrimas.
- Você me disse que o Rick e o Maikon foram até a sua casa te procurar, não é mesmo? – Thomas confirmou com a cabeça – Você caiu de paraquedas nessa história toda de festival, e tem que fazer algo muito desafiador pra você. Thomas, preste atenção: é Deus que está te desafiando a enfrentar o seu medo.
- O senhor acha pastor?! – ele disse, surpreso.
- Tenho certeza. Deus sabe o quanto você sofre por ser tão reservado e sentir tanto medo de se expor, Ele, na verdade, está respondendo às suas orações. Você não quer se ver livre disso? Não foi isso que você pediu a Ele? Pois esta é a sua oportunidade, Thomas. A oportunidade que Deus está te dando.
Então o pastor abriu a Bíblia e continuou:
- A Bíblia diz assim em Josué 1:9 “Não fui eu que lhe ordenei? Seja forte e corajoso! Não se apavore, nem se desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar”. Coragem não é não sentir medo, mas enfrenta-lo. Este é seu desafio a proposta de Deus, Thomas. Tudo dependerá de como você responderá a este chamado.

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